Reflexões de um Lagarto
Meu nome é Smith. Sou um lagarto. Um formidável lagarto teiú de quase uma braça. Ter um nome inglês certamente impressiona menos do que ter consciência. Mas ninguém sabe disso.
Gosto de rastejar durante o dia atrás de comida. Ando sorrateiro. Sempre passo a maior parte do tempo esmorecendo no sol...
A mim pouco me importa esses humanos que se acham donos do planeta. São uma súcia de répteis de sangue frio e desalmados, capazes de matar por causa de um objeto eletrônico que carregam no bolso. Eles acham que quando mostro a língua, é para sentir cheiros do ambiente – deixo que pensem assim, porque a realidade é que lhes faço caretas.
A boçalidade humana chegou a um nível insuportável no planeta, o qual virou uma fornalha azul. Como não consigo fazer igual a meu primo da Namíbia, revezar as patas no chão quente, só me restou sair ligeiro do terreno baldio em direção à sombra da garagem humana em frente.
Ah! Agora sim. O piso gelado está melhor, porém grudento. O sol a pino fritava meu couro.
Esqueci de dizer que enxergo mal. Por isso não percebi próximo a mim uma humana escandalosa gritando, como se tivesse visto um dragão de Comodo.
- Aiii! Aiii! Aiii!
Ela não parava. Passei a sentir o cheiro e gosto do ar com mais rapidez.
- Por que ele está mostrando a língua?
“É para lamber você, eu diria, se fosse o lobo-mal”.
Minha situação ficou complicada mesmo quando chegou um homem de bermuda e chinelo, sem gritar. Aquilo sim me assustou. Corri próximo a um vaso de flores. Será que agora posso ficar em paz?
Não enxergar bem é uma desgraça, e não vi que o homem veio perto de mim. Só senti o cutuco. Corri para o meio da garagem de novo.
A mulher voltou a gritar. Será que ela não tem noção de proporção entre o meu corpo e o dela?
Poin! Algo me cutucou de novo. Talvez se eu me fingir de morto me deixem... Poin!
- Mata ele! Mata ele!
“Hei, senhora, para quê a ignorância? Só estou me abrigando do sol”.
- Não mãe. Ele tem mais medo de você do que você dele.
Ufa! Alguém tem cérebro ainda.
Poin!
O que eu deveria fazer? Só quero um pouco de sombra.
Poin!
Argh, que seja...
Saí correndo para a rua. Antes umas assaduras no buxo do que uma doida achando que tenho negócios a tratar com ela.