Um jovem abnegado

Dona Rosa, a síndica do prédio, tinha muita pena de Beto, menino tímido, franzino e asmático que era seu vizinho. Com apenas treze anos, ele perdera a mãe e estava sozinho com o pai, Michel, um homem alto, magro, precocemente envelhecido e alcóolatra. A boa senhora não gostava de se intrometer na vida de ninguém, porém achava muito errado o fato do pai se entregar completamente à bebida. Era frequente ver o filho amparando o pai e dona Rosa ouvia muito que Beto ia buscar o pai no bar para que ele não tropeçasse pois ele sempre voltava cambaleando ao apartamento, com o filho a apoiá-lo. O pior era vê-lo com o rosto machucado, resultado dos tombos que levava.

Zulmira, amiga de dona Rosa, falava:

-Coitado do menino. Perdeu a mãe, a pobre da Madalena, e agora está sozinho com um pai bêbado que não cuida nem de si mesmo.

-O menino é quem cuida do pai. concordou dona Rosa.

Beto era um garoto educado e simpático e sempre cumprimentava as pessoas com um sorriso, porém dava para se notar seu olhar triste. Ele tinha uma grande paciência com o pai, cuja aparência decaía a olhos vistos. O cabelo estava desgrenhado, a barba por fazer e os olhos cada vez mais fundos. Dona Rosa sabia que ele logo perderia o emprego se continuasse daquele jeito. E o que seria do menino se o homem morresse?

A senhora sabia que nada podia fazer. Ouvia pessoas falarem sobre chamarem o Conselho Tutelar mas não tinha certeza se era o certo. Até onde sabia, o pai nunca batera no filho. Entretanto, outros moradores do prédio diziam que não dava para o garoto ficar com um pai como aquele. Dona Rosa se perguntava o que devia fazer.

A boa mulher passou a ver a gravidade da situação uma tarde, quando bateram em sua porta. Abriu-a, ficando surpresa ao ver Beto, que estava aflito.

-Senhora...

-O que foi, meu filho?

Beto respirou fundo e dona Rosa reparou que ele parecia mais magro. Estaria comendo direito? Ele então falou:

-Senhora, meu pai está passando mal e eu não tenho uma seringa em casa. Preciso ir à farmácia comprar uma para dar uma injeção nele mas não quero deixá-lo sozinho. A senhora pode ficar com ele enquanto eu vou à farmácia?

Dona Rosa ficou pasma mas respondeu:

-Está bem.

O garoto a levou ao apartamento e dona Rosa se assustou ao ver o homem deitado no sofá, o corpo mole, gemendo. Ao lado do sofá, latas vazias e garrafas de cachaça. Beto disse:

-Eu não demoro, dona Rosa.

-Meu filho, como você, com apenas treze anos, vai dar injeção no seu pai?

-Eu já dei antes. Minha mãe me ensinou a dar. saiu.

Dona Rosa ficou olhando o homem, que falava palavras soltas. O menino não demorou e logo veio com a seringa, aplicando uma injeção no homem.

-E agora? perguntou dona Rosa.

-Vamos esperar um pouco. Logo ele melhora.

Quando o homem melhorou, ele olhou para o filho.

-Pai, como você está?

-Mais morto do que vivo, meu filho.

O homem estendeu a mão, segurando a mão do filho, que segurou a do pai com força e dona Rosa se perguntou se ele não pensava no que seria do menino se ele morresse.

-Certo, pai. Descanse agora, certo?

-Meu filho, você é tudo que eu tenho. Eu perdi a sua mãe, não posso perder você.

Beto pegou um cobertor e cobriu o pai e o homem adormeceu. O menino recolheu as latas e garrafas e dona Rosa perguntou se ele tinha comido.

-Não senhora.

-Quer uma sopa para o jantar, meu filho?

Ela foi ao seu apartamento e voltou com uma sopa num plástico.

-Fiz ontem. É só esquentar depois. Coma, certo?

-Obrigado, senhora.

-Bem, vou indo. Qualquer, coisa, pode falar.

No dia seguinte, dona Rosa bateu na porta do apartamento de Beto, que abriu a porta e a cumprimentou:

-Bom dia, senhora.

-Bom dia, meu filho. Quero falar com seu pai. Ele está acordado?

-Está, senhora.

Beto a deixou entrar e dona Rosa viu o homem sentado à mesa. O menino falou para o pai:

-Espere que o café logo fica pronto, pai.

-Está bem, meu filho. Bom dia, dona Rosa. Beto contou que a senhora...

Dona Rosa o interrompeu e Beto, que vinha com a garrafa térmica, ficou a olhar para a mulher, que começou:

-Há tempos, eu tenho reparado como o senhor tem vivido. Aliás, todos têm reparado. O seu filho é uma criança, que fica cuidando do senhor por causa das suas bebedeiras! Um menino de treze anos dando injeção num pai bêbado? E o senhor conseguiria socorrer seu filho numa crise séria de asma? Escute bem, estão todos falando que vão chamar o Conselho Tutelar! Se o senhor não mudar irão tirar seu filho do senhor! Trate de parar de beber! Seu filho está parecendo seu pai! E se o senhor perder o emprego? Se morrer?

O menino olhou para a mulher, horrorizado. Era evidente que ele gostava do pai, porém a situação dele não era justa. O pai protestou:

-Não podem tirar meu filho de mim! Tantos pais que batem e eu nunca encostei a mão no Beto!

-Como se não bater fosse suficiente para ser um bom pai. O senhor precisa tomar jeito. Procure um grupo de apoio, mas faça algo ou eu mesma chamo o Conselho Tutelar! Seja o pai que seu filho precisa! Se continuar assim, ou vão tirar o Beto de você ou você vai morrer de cirrose, porque não há fígado que aguente! Hum, já falei o que tinha que falar! Passar bem.

Dona Rosa saiu e Beto fechou a porta. A boa senhora foi para seu apartamento pensando no que tinha feito. O homem tomaria jeito? Esperava que sim. O menino não podia continuar naquela situação.