O Caminhoneiro

Sebastião, era um motorista de caminhão recém-casado, conhecido por todos como Tião Pé Bom. Ganhou esse apelido em razão da cautela ao conduzir em diferentes estradas. Durante uma década de profissão, Tião nunca sofreu nenhum acidente, nem foi vítima de assalto ou roubo de mercadoria — um feito notável entre seus colegas de profissão. Além disso, seu caminhão de carga estava sempre limpo e preparado para enfrentar qualquer desafio.

Numa tarde, quando o sol já estava se pondo no horizonte, ele saiu para um frete. Tião estacionou seu caminhão diante de sua casa com o motor ligado para se despedir da sua amada esposa. Beth, como era conhecida, estendeu sua cabeça para fora da janela do quarto do casal, permitindo que o vento dançasse seu cachecol echarpe de seda colorido, enquanto chamava por Tião.

"Meu amor", ela sussurrou no ouvido do marido, "por favor, adie a viagem até o nascer do sol e durma no nosso próprio leito esta noite." Uma mulher, recém-casada e sozinha em casa é perturbada por sonhos, pensamentos e medos que às vezes a fazem temer por si mesma. E ela insistiu: “Peço-te, por favor, meu querido marido, fique comigo apenas esta noite do ano que ainda resta”.

"Minha querida", afirmou Tião, "entre todas as noites que teremos juntos, esta será a única em que estarei distante de você. Minha viagem será curta, uma ida e volta, com previsão de retorno antes do amanhecer. Como você pode questionar minha sinceridade, meu amor, quando estamos casados há pouco tempo, apenas três meses!"

"Perdoe-me, querido. Que Deus ilumine seu caminho e te abençoe," disse Beth, enquanto seu cachecol echarpe dançava ao vento. "E que tudo esteja bem quando você retornar."

"Amém! Que a vontade do Senhor seja feita!" exclamou Tião. "Beth, faça suas orações, minha querida. Ao anoitecer, deite-se, pois nenhum mal nos acontecerá."

Então eles se separaram. Tião prosseguiu em sua jornada, porém, antes de contornar a esquina e desaparecer da rua, lançou um último olhar para trás. Viu Beth, que o observava com um semblante triste, envolta em seu cachecol echarpe de seda colorido. As pontas do echarpe ondulavam ao sabor do vento, como se estivessem aplainando o tecido.

Ele refletiu sobre Beth, sentindo uma pontada aguda de remorso em seu coração. Que falta de sensibilidade em deixá-la sozinha em nossa casa durante a noite! Ela mencionou um sonho. Seu semblante denotava preocupação, como se um sonho lhe tivesse avisado sobre um perigo iminente naquela madrugada. Se me acontecesse alguma coisa, Beth ficaria arrasada. Ela é um anjo presente na minha vida. Após esta noite, prometo permanecer ao lado dela e a seguirei até o céu.

Com essa resolução para o futuro, Tião se sentiu justificado em apressar seu retorno. Havia tomado uma estrada lúgubre, um caminho que iria encurtar o percurso e o tempo, para logo voltar para casa. O trajeto era obscurecido por árvores sombrias que jamais tinha visto, quanto mais avançava para deixar a trilha estreita rastejar por entre elas, mais elas se fechavam por trás. A solidão era tão intensa que o viajante não tinha certeza do que poderia estar escondido entre os muitos troncos e os galhos densos acima dele: talvez sua solidão estivesse cercada por uma multidão invisível.

"Pode haver assaltantes diabólicos atrás de cada árvore", pensou e olhou temeroso para trás. “E se o próprio diabo estivesse em seu encalço?”

Girando a cabeça para trás, ao fazer uma curva na estrada e logo direcionando o olhar para frente, Tião percebeu a silhueta de um homem sentado ao pé de uma árvore. Ao seu lado, um carro parado exibia a tampa do motor aberta, liberando fumaça. Ao se aproximar, Tião notou que dentro do veículo estavam uma mulher e duas crianças. Aquela situação parecia peculiar e causava inquietação, pois não entendia o motivo pelo qual uma família estava naquela via tão deserta. Nos breves segundos antes de parar seu caminhão, recordou-se dos diversos relatos de assaltos sofridos por amigos caminhoneiros, eles chegando para socorrer e serem assassinados. Eram histórias sobre pessoas pedindo carona ou outros veículos quebrados na estrada, que no final se revelavam como armadilhas de assaltantes que, além de roubar a mercadoria, agrediam os colegas de profissão.

Um pouco adiante, Tião encontrou um local para estacionar à margem da estrada. No interior do caminhão, sentia uma crescente tensão; suas mãos tremiam e um frio percorria seu corpo. Lembrou que sua amada esposa havia pedido para que ele ficasse em casa naquela noite. Apesar dos apelos de sua companheira, ele escolheu partir, uma decisão que agora lhe parecia egoísta. No painel do caminhão, havia uma foto da Beth, linda e sorridente com um buquê de rosas, isso lhe trazia algum conforto. Tião apanhou a foto e deu um beijo. Ele tentava manter o controle, mas o medo insistia em fazer-se presente. O que poderia acontecer? Sentia-se desprotegido. Pegou o celular para fazer uma chamada, desejava pedir ajuda ou socorro, mas não tinha rede. Ele estava isolado na mata escura. Seus colegas de trabalho haviam avisado sobre os perigos da estrada, aconselhando-o a manter uma arma na cabine para a sua defesa. Mas sendo um homem pacífico e religioso, acreditava que poderia controlar um possível agressor se mantivesse a calma e não reagisse.

Tião desceu do caminhão, esforçando-se para manter a compostura. Com cortesia se dirigiu ao senhor, dizendo: "Boa noite, como posso ajudá-lo?" Apesar da escuridão, ele percebeu que o homem aparentava ter mais de sessenta anos. O ancião se ergueu, ajustou a postura e, olhando para Tião, disse: "Agradeço por ter parado para nos ajudar. Meu nome é Antônio. Vim buscar minha filha e meus netos na cidade, pois meu genro faleceu, deixando-os desamparados. Como pai e avô, estou levando-os para viver comigo. Todos nós ficamos abalados com a partida de Gabriel, um homem íntegro, trabalhador e devotado à sua família. Foi um incidente súbito. O carro está em perfeito estado, o tanque cheio de gasolina. Quando percebi o superaquecimento do motor, já era tarde. Tentei prosseguir o máximo que pude, porém, o radiador não resistiu, sobreaqueceu e o carro parou aqui, em meio a esse deserto. Acredito que foi uma providência divina que colocou o senhor em nosso caminho para nos socorrer."

Após escutar o senhor Antônio, Tião sentiu um alívio imenso, como se tivesse se libertado de uma grande carga de preocupação por ter que auxiliar aquele veículo parado à beira da estrada e disse: "Senhor, por favor, mantenha o capô do carro aberto. Vou remover a tampa do radiador para acelerar o resfriamento. Assim que estiver frio, adicionarei a água que tenho em meu reservatório. Vamos precisar esperar um pouco para verificar o nível de óleo do motor. Se estiver baixo, posso repor. Agora, o mais importante é aguardar o motor esfriar para podermos tomar as próximas medidas. Por acaso, sua filha e as crianças gostariam de beber água? Tenho um galão de água potável no caminhão."

"Meu nome é Sebastião, porém sou conhecido por todos como Tião. Preciso remover a tampa do radiador e buscar o galão de água e óleo que estão no caminhão.Por favor, desative a parte elétrica do carro, pois os faróis estão ligados e isso reduz a carga da bateria. Não se preocupe, vou ativar as luzes de alerta do meu caminhão". Com isso, Tião partiu para buscar tudo o que era necessário para solucionar o problema mecânico no carro do Sr. Antônio.

Equipado com a sua caixa de ferramentas, Tião vestiu suas luvas. Com movimentos lentos e precisos, ele começou a desenroscar a tampa do radiador em ebulição. Sabia que qualquer movimento brusco poderia causar um respingo de água quente, o que poderia resultar em queimaduras. Após retirar a tampa com grande cautela, o radiador continuava a ferver. Agora, era necessário aguardar o motor esfriar antes de reabastecer a água.

"Peço desculpas pelo contratempo, Tião, você deveria estar em casa com sua família neste momento," disse Antônio. "Na verdade, eu não estava a caminho de casa, mas sim para um transporte. Fui contratado para fazer um frete esta noite, pois o cliente alugou uma loja no shopping center. Preciso passar no armazém dele, recolher os materiais de reforma e entregá-los na loja, onde a equipe só pode trabalhar após a meia-noite. Mesmo que haja um pequeno atraso, não será problema pois estarei dentro do horário acordado".

"Senhor Antônio, conforme mencionei, nós realizaremos duas intervenções para tentar recuperar seu veículo. Uma é abastecer o radiador com água. Em seguida, adicionar óleo ao motor. Se ainda assim não funcionar, não há motivo para preocupação. Possuo uma corrente de aço no caminhão e posso rebocar seu carro até a cidade mais próxima, que está a 15 km daqui. Fique tranquilo, eu não os deixarei na estrada".

A noite estava fresca, envolta pela floresta que a circundava e o único som predominante era o sussurro do vento, agitando as folhas das árvores. A umidade da mata contribuiu para que o radiador esfriasse mais rápido do que Tião previra. Ele adicionou água e repôs o óleo no motor, então pediu que o senhor Antônio entrasse no carro e tentasse dar a partida. Na primeira tentativa, o carro só gemeu. Na segunda a situação se repetiu. Contudo, na terceira o veículo voltou à vida. Tião sentiu-se satisfeito por ser capaz de ter ajudado aquela família.

Enquanto recolhia suas ferramentas, o senhor Antônio deixou o carro ligado e veio até o Tião e perguntou quanto seria o conserto. Agradeceu demais o socorro e queria pagar, mas Tião se recusou a receber qualquer quantia. E pediu que ele entrasse no carro, fosse na sua frente na estrada, caso precisasse, estaria logo atrás pronto para ajudar. E assim seguiram pela estrada até a próxima cidade, sem nenhum incidente. Quando chegaram à cidade, eram quase 22 horas. O senhor Antônio virou à direita e Tião seguiu em frente.

Ao chegar ao depósito, Tião encontrou os carregadores esperando-o. Ele sabia que, se houvesse mais algum atraso, eles chamariam outro motorista. Pedindo desculpas pelo contratempo, Tião explicou que havia enfrentado um imprevisto no trajeto, mas já estava tudo resolvido. Alguns, mesmo estando mal-humorados, demonstraram sua inquietação de que o atraso poderia impactar o planejamento da construção e talvez não fossem capazes de finalizar dentro do prazo determinado. Mesmo assim, eles carregaram o caminhão e seguiram para o shopping, chegando no horário permitido de entrada, à meia-noite.

Após descarregar o caminhão, Tião retornou ao depósito para buscar o restante da carga. Eram quatro da manhã quando ele realizou a última entrega. Recebeu o saldo de cinquenta por cento que faltava do pagamento pelo frete e iniciou o trajeto de volta para casa. Estava exausto, porém motivado. Mesmo com os imprevistos, Tião completou o transporte com sucesso e ansiava pelo retorno ao lado de sua esposa, Beth.

Na cabine do caminhão, ele consultou o relógio e constatou que eram quatro e meia da madrugada. Pelo trajeto da auto estrada, sem atalhos, previa chegar em casa por volta das seis horas da manhã. Considerando o adiantado da hora e o fato de sua esposa ainda estar dormindo, decidiu fazer uma pausa para um lanche e saborear o café preparado por Beth, uma vez que não tinha comido nada desde o dia anterior. Planejou que, antes de retornar para casa, passaria pela padaria do senhor Manoel para comprar pães. Assim, poderia tomar café com sua esposa quando ela despertasse.

Às cinco horas, Tião deixou o estacionamento do shopping center e tomou o caminho pela auto estrada. Sentia-se cansado e sonolento, mas o sentimento de satisfação o preenchia. Ele estava orgulhoso da sua ajuda ao Sr. Antônio e à família naquela estrada escura e por ter cumprido seu trabalho conforme acordado. Enquanto dirigia, lançava um olhar ao retrato de sua esposa, prometendo; esta foi a última noite de trabalho, só aceitarei fretes durante o dia para passar as noites em casa. Ele queria desfrutar do café da manhã com sua amada esposa Beth ao acordar.

A autoestrada estava deserta, com apenas alguns caminhões e carros esporádicos. Ele dirigia com tranquilidade, enquanto os quilômetros passavam quase tão rápido quanto as batidas ansiosas do seu coração, marcadas pela saudade da esposa e do lar. Logo entrou na sua cidade que ainda estava adormecida. Na avenida principal, o semáforo acusava verde e ele prosseguiu. De repente, outro veículo de carga violou o sinal vermelho em alta velocidade e chocou-se contra a cabine de Tião, arrastando-o alguns metros adiante. O impacto foi tão violento que a parte frontal do caminhão desprendeu-se da carroceria.

Beth despertou sobressaltada e exclamou: "Tião!" Sentada na cama, dominada pelo medo, lágrimas jorravam sua dor.