Viagem
Elena saiu do coma depois de vinte e cinco dias.
Desde então, sua recuperação foi rápida, se considerada a gravidade do acidente automobilístico que sofrera.
Reconheceu logo parentes e amigos de longa data.
Depois dos olhos, moveu as mãos e, na sequência, os braços, o pescoço, o tronco. Voltou a falar bem.
Com sua decisiva força de vontade, seguiu evoluindo, dia após dia, ansiando sempre por dar seus próximos passos… até descobrir que, literalmente, não os daria.
Ter ficado paraplégica pareceu a Elena, num primeiro momento, um castigo de Deus por todas as loucuras que havia feito nos últimos tempos. Largar a faculdade de Letras, no segundo ano, foi apenas a primeira. Trocou seu sonho de ser professora por prazeres intensos, porém, fúteis. Gastou muito dinheiro, bebeu muito, usou todos os tipos de drogas, e o que ganhara no final de tudo? Uma cadeira de rodas para poder ser “mais independente…”
No início, ela se fechou. Mal conversava, estava quase sempre de mau humor ou desanimada.
Até que, no seu aniversário, ganhou um livro. Guardou-o por alguns dias, quando resolveu começar a lê-lo. Sentiu tanto prazer que os antigos sonhos renasceram em sua mente. Terminada a primeira leitura, partiu para muitas outras.
Os livros formavam o alicerce que Elena precisava para se reerguer. Não se tratava apenas de uma válvula de escape. Isso ficou mais evidente quando ela, por iniciativa própria, tornou-se voluntária no abrigo para menores. Todas as sextas-feiras, passou a ler histórias para crianças.
Sentindo-se motivada com seu novo trabalho, buscou outros similares.
Na biblioteca municipal, gravou fitas declamando poesias, lendo contos e até romances, que eram destinados aos deficientes visuais. No asilo, fez trabalhos de alfabetização com idosos interessados.
Hoje, Elena se sente útil, orgulhosa e feliz. E faz planos de retomar os estudos. Não lhe restam mais dúvidas de que a leitura e o ensino são as coisas mais importantes.
Seu maior objetivo? Mostrar às pessoas o prazer da leitura, pois agora ela sabe que a maior “viagem” de toda a sua vida não é a que obteve bebendo, drogando-se ou caminhando, mas a que se vive a cada leitura de um novo livro.
(Observação: Escrevi este conto em 2004 e participei de um concurso literário na empresa em que trabalhava na época. Com o objetivo de incentivar a leitura e conhecer os talentos da empresa, uma coletânea reunindo 60 crônicas foi elaborada. As 6 de maior destaque foram premiadas, entre elas, a minha. A comissão julgadora foi formada pelos escritores Beto Junqueyra e Aderval Borges. Carlos Heitor Cony gravou um vídeo parabenizando os ganhadores. Foi um grande incentivo para que eu , na época um jovem de 25 anos, continuasse a escrever e sonhar.)