Suicídio Involuntário

06.10.24

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Ele voltava para casa em uma noite escura, em um cruzamento de uma rua com descida acentuada, parou o carro para virar à direita. O local estava sem iluminação, no canto à direita havia uma banca de jornal fechada, que divisou antes de chegar ao entroncamento.

Virou o olhar para a esquerda e um carro mais afastado vinha descendo a rampa.

– Vai dar – pensou!

Virou o veículo acelerando para se distanciar do outro que vinha atrás. Sentiu um tranco e o carro começou a patinar, parecendo estar sendo segurado por alguma coisa. O automóvel que o seguia descendo começou a buzinar sem parar como que o avisando de algo. Parou, desceu e contornou pela frente e ao chegar do lado direito do veículo viu um par de pernas de mulher saindo embaixo dele. Ficou estático!

– Meu Deus, o que aconteceu? Como essa pessoa foi parar aí embaixo, não é possível, meu Deus?

O outro motorista veio e disse:

– Não vi o que aconteceu, só vi pernas saindo debaixo do seu carro, por isso buzinei.

– Que absurdo, do nada atropelo uma pessoa. Vamos tirá-la daqui? Você me ajuda?

Ambos os motoristas se abaixam juntos e a retiram com cuidado, estava viva, sem apresentar fraturas aparentes. Colocaram-na deitada no banco de trás do seu carro. Ela gemia intermitentemente.

O homem que o ajudou deixou seu número de telefone anotado em um pedaço de papel, dizendo:

– Fique com o meu telefone, caso precise de testemunha.

Agradeceu, entrou no carro ainda sem entender como aquele acidente acontecera. Então ela diz com voz dolorida e rouca:

– Me leve para o Pronto Socorro do Hospital das Clínicas, sou médica lá e vão me socorrer melhor, por favor!

– Sim, claro! Mas, como você, do nada, veio parar debaixo do meu carro?

– Estava junto da calçada para cruzar a rua e quando parou fui atravessar, mas escorreguei e caí, o carro passou por cima, pois não me viu. Você não teve culpa nenhuma.

– Eu não te vi mesmo! Estava muito escuro naquele canto junto da banca de jornal.

– Você não teve culpa – repetiu ela balbuciando.

Dirigiu com rapidez ao hospital, estava perto. Ela foi retirada do carro e encaminhada para a sala de urgência. O médico, que atendeu ao socorro, perguntou o que tinha acontecido e ele contou o insólito acidente. Ele falou:

– Entendo! Você precisa ir ao posto policial aqui do Hospital e comunicar o acontecido; siga as placas pelo corredor três e chegará lá!

Ficou preocupadíssimo, pois poderia vir a falecer e ele ser acusado de um crime, mesmo que lhe tenha dito que não teve culpa. Foi ao posto nervoso com tudo o que estava acontecendo, que mais parecia um sonho.

Lá, um policial à paisana, sentado em uma mesa com máquina de escrever, perguntou:

– Pois não? O que aconteceu?

Contou o episódio detalhadamente, inclusive com o testemunho do outro motorista que o ajudou, o que foi datilografado pelo escrivão. Ao final, este fez uma observação, deixando-o ainda mais ansioso:

– Será que ela quis de suicidar, pulando na frente do seu carro? Vamos lá perguntar e confirmar que você não teve culpa. Saíram os dois para a Emergência do Hospital.

Ele nunca tinha entrado em um local assim, com muitos pacientes sendo atendidos pelos corredores, médicos e enfermeiros correndo, gemidos e choros, um mapa do inferno, pensou.

Enquanto caminhava pelo corredor com o escrivão, viu ao fundo, um amontoado de pessoas sobre um leito em um frenesi de ações. O policial perguntou a um enfermeiro onde a moça estava e ele respondeu apontando para aquele embolado de médicos e enfermeiros.

– Pelo visto, a coisa complicou. Vamos concluir o boletim de ocorrência.

Nesse instante, um médico saiu do grupo da mulher que ele atropelara, veio em direção a eles e perguntou:

– Foi você quem a atropelou?

– Sim! Como ela está?

– Está com hemorragia interna, em estado crítico, pediu que lhe dissesse que não teve culpa, que se tranquilizasse, ok? Fala olhando-o com firmeza nos olhos e voltando para atendê-la.

– Obrigado, Doutor!

– Bem, vou colocar essa observação no B.O., você assina e está liberado – completou o escrivão.

Ele voltou para casa de madrugada, contou para a esposa o que acontecera e pouco dormiu.

No dia seguinte logo cedo, entrou em contato com um médico amigo seu, do mesmo hospital, para saber do estado dela e se poderia ir visitá-la.

– Está na UTI, em coma, e não acho interessante você vir vê-la.

Ele ficou desolado, queria que ela sobrevivesse. Ao mesmo tempo, a questão do escrivão o deixou intrigado, porque acontecera de modo muito anormal e incomum, sem choque, sem nada. Mas não conseguia acreditar que ela tentara o suicídio, mesmo que involuntariamente.

Uma semana depois ela se foi. Ele ficou triste e sem resposta.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 06/10/2024
Reeditado em 07/10/2024
Código do texto: T8167611
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