#pensa que eu sou Burro Doutor?
A consulta estava marcada para 14h, Carlos chegou com meia hora de antecedência, consultório lotado, ai ele entendeu que a fama de bom médico.
“Gente! Cadê esse médico?” - pensou Carlos, pois já passava das 16h, seis pessoas se amontoavam em uma salinha de espera do tamanho de um ovo, pasme você leitor: pareciam felizes de esperar pela sumidade do doutor Barata.
Ele, o paciente Carlos Eduardo Lacerda, diabético, revascularizado, hipertenso, todo lascado, porém sem nunca ter fumado, nem bebido, nem se ariscado com uma prostituta. Ilustre algoz intelectual, leitor de livros policiais, conhecia a habilidade dos maiores detetives da literatura, homem de caráter, tremendo vendedor de carros usados, torcedor do Fluminense, estava ali esperando sua consulta, em pé, passando uma das maiores humilhações de sua vida por conta de uma glândula no meio do seu saco chamado de próstata.
Diante dos seus dois maiores infortúnios: o pé doendo (esporão de calcâneo) e o mijo escorrendo, ele lutava no seu sacrossanto dia no qual um médico com o nome infeliz de Dr. Barata faria um exame pelo qual nutria um pavor: a famosa dedada!
Ele estudou em escola pública, não passou no vestibular, o pai morreu, teve que dirigir táxi para sustentar a mãe paraplégica e a irmã epilética, nunca casou, dizem as fofoqueiras que nem namorou.
Deus ajuda quem “cedo madruga”! Espera interminável e com todas aquelas pessoas na frente de Carlos, quando chegou, todas estavam lá, diga-se de passagem era um pessoal diferente, alegres, descolados, roupas coloridas e um riso idiota na cara.
Carlos, observador atento, perambulou com seu olhar de um lado para o outro, esquerda-direita, direita-esquerda, como na revolução francesa:
À esquerda de Carlos em um banco, pessoas agarradas uma nas outras: o primeiro magro de rosto fino e aspecto tuberculoso, testa lisa, o segundo, sentado ao lado do primeiro, atlético, ator de cinema cultivava um bigode francês.
À direita, três pessoas em um banco maior, mais apropriado as aspirações da direita exigente deste país, sentados um do lado do outro, dando uma pequena folga, pois os de direita não se tocam, não gostam de intimidade, em ordem: um senhor de barba aparada e camisa com escritos: "viva Jesus livre", ao seu lado, um homem de aspecto simpático e de chapéu caipira, simulava um sujeito que gosta de vaquejada, finalmente, desafiando as leis da física quântica, dá lógica matemática e dos bons costumes, sentada em um consultório urológico, cujo o objetivo fundamental é o estudo da próstata estava uma senhora!
Carlos, ali de pé ficou intrigado com a senhora que assoviava sem parar!.
A maioria das pessoas em uma sala de espera não conversa isso era certo, porém aquele povo alegre dava nos nervos de tão alegre e sorridente, ser humano normal é irritado, brigão e que gosta de xingar.
Quase 17h , a recepcionista estava calma, mascava chicletes, tinha olhos amendoados e lábios cheios, talvez um caso amoroso do tal Barata, se ele não tem compromisso com horário, quem disse que teria com o casamento?
-Senhora – disse Carlos – o doutor vai demorar, minha consulta está marcada para as duas horas, já são quatro e meia, será que ele vem?
-O Doutor Barata é um cirurgião, deve estar em uma urgência, não se preocupe o senhor será o primeiro.
“Pelo menos isso, serei o primeiro!” Pensou Carlos, no entanto não entendeu a vantagem já que ele foi o último a chegar.
A situação dele era a mais miserável naquele momento, vítima de uma incontinência urinaria nervosa, tinha que usar fraldas para sair e não podia ficar muito tempo em pé, desde a sua chegada há três horas atrás, estava de pé, foi até o bebedouro, tomou o seu quinto copo de água, e depois tomou o sexto cafezinho.
Olhou em volta.
“Que povinho desgraçado de tranquilo, como eles aguentam uma afronta dessas?
Foi até a senhora idosa.
-Madame a senhora está em um consultório médico, poderia parar de assoviar.
Ela olhou para ele como se Carlos fosse doente mental.
Pâmela (a recepcionista, o nome estava no crachá) falou:
-Eu estou curtindo.
A senhora soltou um: ”viu ela curte”.
Cinco horas da tarde, sol indo embora, ele estava a ponto de explodir, ia falar um palavrão, olhou de lado e o homem barbudo sorriu pra ele, sentiu vontade de chutar aquela cara daquele hipster, um ser humano não pode ser tão calmo, a revolta está no DNA humano, o sagrado direito da indignação.
O momento crítico de Carlos , pois ele havia molhado os fundilhos de urina, no seu paletó bem na bunda havia uma rodela enorme de urina, sua fralda ultra protetora falhou, após resistir heroicas cinco miseráveis horas de pé.
-Senhor a sua calça está molhada – disse a mulher do assovio.
-Obrigado, sentei no molhado – disse Carlos sem graça.
A mulher pegou uma sacola. achou alguma coisa lá, Carlos deu um grito quando encostou a mão na coisa.
-Uma fralda!
-Conheço incontinência urinária quando vejo uma, tive treze filhos, minha urina vaza igual cachoeira, até na hora H– disse a senhora do assovio – é uma merda ficar fedendo a mijo 24 horas por dia como se fosse um banheiro público. Trago as minhas fraldas reserva em todo evento que vai demorar.
Carlos aceitou e foi se trocar, ainda conseguiu dizer: “seu assovio é bonito”.
Quando voltou, suas coisas particulares (seu pinto e saco) estavam apertadas, seu pinto estava tão apertado que parecia que ia explodir, a fralda da velha do assovio era P.
Revoltado foi até a recepcionista.
-Querida – disse Carlos se aproximando da recepção e fugindo do olhar da velha - minha filha, liga para esse Dr. Barata, estou ficando nervoso, isso piora a minha condição (apontou com dois dedos para a direção da fralda), nem tem cadeira para sentar aqui.
Pâmela, deu um sorriso e levantou, foi lá dentro e voltou empurrando uma cadeira de rodinha sem braço de dentro do consultório do Dr. Barata, um horror, rasgo no forro, assento puído e com fedor de merda, uma coisa que deveria estar no lixo.
“Mais que Filha de uma égua!”, pensou Carlos, “eu há quatro horas em pé, a desgraçada vendo o meu sofrimento e não toma atitude”.
Foi quando o Dr. Barata passou (Carlos falou “graças a Deus ”) engomadinho, todo de branco, impecável, bigode preto e cabelos cortados à maneira militar, óculos modernos e uma maleta, disse na passagem.
-Senhorita Pâmela, cancele a consulta, tenho uma urgência cirúrgica.
Carlos sentiu uma dor no coração.
-Cancela coisíssima nenhuma? - Carlos gritou, firme, como um bom mineiro deve fazer, andou até o médico bem devagar porque o seu saco estava apertado e doendo, bateu a mão na bancada da Pâmela e disse - escuta aqui, tem cinco horas que estou esperando.
-Eu não lhe devo satisfações, procure outro médico se quiser, não posso atendê-lo pois alguém em condições piores me espera – disse Dr. Barata.
Carlos aloprou, quem poderia estar em condições piores que as dele?
-Quem te fez um Deus? Vida e morte na sua mão e nada de responsabilidade – Carlos apontou para as pessoas que permaneciam calmas – olha essa gente toda dependente de você, fez ou não fez o juramento de Hipócrates?
-Senhor deveria procurar um psiquiatra antes – disse o Dr. Barata – não lhe devo, mas vou dar uma satisfação, uma esposa cortou o pênis de um marido e vou tentar recuperá-lo.
Carlos, todo mijado, pegou no braço do Dr. Barata e disse.
-Se cortou tá cortado, por isso não tenho esposa, culpa no cartório ele tem, porque ninguém sai por ai cortando um pinto a toa - o fedor de mijo em Carlos fez doutor Barata fazer uma careta, Carlos gritou - Olha para aquela senhora idosa, Jesus deu pra você uma missão homem, Jesus o médico dos médicos...
-Não senhor – interrompeu a senhora – nós não estamos aqui pela consulta, estamos só pelas cadeiras – ela apontou para a sala lotada do mesmo andar - é que tem uma distribuição de senhas para um programa de talentos da TV e lá não tem cadeiras suficientes lá, então esse consultório alugou as cadeiras a dez reais cada.
-Pâmela que feio - disse Dr.Barata.
-Ahhh - Pâmela fez um gesto de desdém - aqui não vem ninguém mesmo.
-Show de talentos? – disse Carlos.
-Eu assovio – disse a senhora.
-Eu rebolo- disse o barbudo.