Imagino um livro fechado. Mas, um livro estranho. Sem título, capa indefinida, furta-cor, brochura espessa (assim virei a esperar, como verá o leitor) e miolo misterioso, uma vez que não o consigo decifrar. Avanço com algumas leituras de páginas aparentemente já conhecidas até que... pronto! Nenhuma força de meus dedos nervosos é capaz de virar a página seguinte. Por mais que eu tente... nada! Interessante é que as páginas já lidas também vão sofrendo um processo lento de modificação, tornando-se um tanto mais amareladas e gastas com o passar dos dias, meses e anos. Fico aqui a ruminar sobre o porquê de tanta atração por esse livro frustrante, já que o final da história nunca se apresenta. Além do mais, há tantos outros por aí, tão mais atraentes em termos de capas, ilustrações e relatos completos de acontecimentos emocionantes. Mas, não! Só me interessa aquele. Um adicto inveterado, incapaz de prestar atenção ao que se passa em volta. Se eu me apercebesse disso, provavelmente teria mais amigos e confidentes, viveria mais aventuras radicais, talvez até amorosas. Não me deixaria trancar nesta espécie de Ourobouros contínuo, sempre com final indefinido.

Se você que me acompanha neste relato identificou-se de alguma maneira, teria prazer em saber o motivo (o seu). Estaria também preso nesta espécie de looping eterno? Conseguiria pelo menos apontar em qual aspecto? Familiar? Profissional? Afetivo? Sexual? Moral? Talvez alguma questão de identidade? Entendo... entendo perfeitamente! Você não saberia definir. Caso contrário pularia fora, em linha reta, “ao infinito e além”.

Bem, voltando ao meu próprio discorrer, devo dizer que todos os dias vou lá e tento. Tento mudar de página. Ocasionalmente, para minha total surpresa e rápida frustração, quase sou lançado ao solo pela força empregada, muito além da mínima necessária para o ato, já que a referida composição de celulose descortina-se facilmente à minha vista. Um êxtase fugaz, seguido meio que por um déjà-vu decepcionante. Tanta expectativa para isso? Ou parafraseando Guilherme Arantes: “tanta loucura pra tão pouca aventura”.

Recorro, então, a conselhos psicoterapêuticos, e finjo não mais me preocupar com as páginas seguintes, intransponíveis. Folheio as antigas sem delas tirar proveito. Concentro-me na leitura de hoje, ainda que tediosa, e procuro descobrir novas nuances. Quem sabe poderia ter sido assim, ou assado... Parafraseando também a banda Titãs: “devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer”. Chego até a concordar com eles, e pensar que “o acaso iria me proteger”. Mas, novamente, bem no fundo, porém, quero virar a página secreta. Não me prendo àquela que conheço. Não aprendo com aquelas já lidas. Acho que talvez possa ter algum problema.

— Doutor, tive um sonho esquisito.

— Diga, rapaz! Conte-me...

— Aquele livro, sabe?

— Ora, se não sei... o de sempre, né?

— Sim, doutor. Aquele mesmo.

— E qual seria a novidade?

— Doutor, doutor. O senhor não vai acreditar... eu consegui ler o título, mesmo durante as mudanças de coloração. Com dificuldade, mas li!

— Sim, rapaz. O que você leu?

— Estava escrito e logo desvaneceu-se...

— Vamos, fale! Temos que pular esta etapa...

— Dizia assim: “Ao Encontro do Desconhecido”. Havia uma palavra maior, com duas sílabas apenas, acima deste título. Mas era etérea. Não deu pra ler...

— Finalmente! Hoje é um dia de júbilo, de comemoração! Parabéns, meu rapaz!

— Não estou entendendo, doutor!

— Você leu o subtítulo... já foi um grande passo!

— E qual seria este título, doutor?

— Assim é a VIDA, meu nobre amigo! Há que se viver, um dia de cada vez. É como um seriado, no qual o número de capítulos não há como se prever e nem como se adiantar. A VIDA não oferece atalhos... Bem, seu tempo acabou, por hoje.

Saí dali sentindo-me dúbio: aliviado e também inquieto, a me perguntar:

— E o próximo episódio?