DIMETILAMINOFENILDIMETILPIRAZOLONA
Quando eu aprendi a identificar o som de cada um daqueles sinais, manuscritos ou impressos, isolados ou agrupados, alguém me disse que eu já sabia ler. A partir daí tudo, absolutamente tudo que tivesse algo semelhante ao alfabeto eu tentava ler e entender o que dizia.
Podia ser até em javanês arcaico eu mandava ver.
Naquelas priscas eras, nos bairros mais afastados do centro como no qual eu morava, as pessoas eram todas conhecidas e mantinham o relacionamento cordial dos “bons vizinhos”.
Sabíamos os nomes de todos eles, adultos com “seu” ou “dona” como prefixos e os de idade semelhantes pelos apelidos, cabeça, cabeça da burra, 4 olhos, orelha, barata descascada, zarolho, caran (corruptela de caranguejo, sempre sujo principalmente no período da safra de manga), gago, gordo, magrão... raramente pelos nomes próprios.
Na vida simples, meados dos anos 1940 e 50 não haviam as facilidades nem a prontidão e urgências das carências atuais, havia dificuldade de transporte em dias normais, mas principalmente quando acontecia algo que requeresse cuidados médicos. Então em todas as casas havia uma “farmácia”.
A da minha casa era pregada na parede do banheiro numa altura semelhante à da janela, a fim de que qualquer pessoa pudesse alcançar para “salvar” alguém.
Aquele armário, geralmente pintado de branco com uma cruz vermelha na porta que se mantinha fechada apenas com um trinco simples, era objeto de desejo e curiosidade constante, pelo menos para mim que sempre gostei de escarafunchar em tudo o que, a priori é misterioso e intocável.
Mas era proibido e as transgressões às regras, punidas exemplarmente.
Entretanto a proibição de mexer não impedia que, quando alguém precisasse de algo, eu não fosse um dos primeiros a chegar perto da farmácia para ver o que ela continha.
Os medicamentos industrializados eram, geralmente acondicionados em papel e no meio daquele arsenal, havia um envelope de cor creme com círculo vermelho onde se lia CIBALENA.
Num dia qualquer, minha mãe conversando com a vizinha reclamou da dor de cabeça que mesmo depois de ter passado a noite dormindo bem, não havia cessado.
Essa vizinha era muito agradável, prestativa e como tal, perguntou a minha mãe se ela não tinha tomado a Cibalena que era – tiro e queda – para esses males.
Era a grande oportunidade de minha vida.
Prontifiquei-me a ir buscar o dito envelope com um pouco d’água, gesto elogiado e regiamente aplaudido.
Não sei quantos comprimidos havia no envelope, mas ele, agora vazio ficou sobre a mesa e eu, leitor assíduo peguei aquele objeto de desejo e comecei a ler o verso do envelope onde estava a maior palavra que eu já tinha visto, bem maior do que inconstitucionalissimamente...
Soletrava, mas não conseguia coordenar os sons a fim de que a palavra adquirisse significado.
Claro que tinha que perguntar àquela pessoa que detinha todo o conhecimento sobre o medicamento e a vizinha, leu separando os elementos porque, afinal o dimetilaminofenildimetilpirazolona é o nome do composto químico que irá inibir a fonte da dor.
Bem mais tarde, quando estudei Química, aprendi o significado de algumas dessas ligações e de como elas se apresentam na representação gráfica da fórmula.
Entretanto, naquela época, ficou a dúvida: como é que um uma coisa daquele tamanhão cabia num comprimido tão pequeno?