CINTO MUITO (o dia que não consegui chegar a tempo ao meu banheiro)

Não tenho muitas roupas favoritas, mas sou apegado a algumas peças. Ainda mais quando não estou com vontade de comprar novas. Esse era o caso do meu cinto.

Conforme eu ia engordando, ele aumentava um buraco feito de faca ou de prego para encaixar em minha cintura. No entanto, por muitos anos meu cinto resistiu, mesmo que estivesse com um rasgo enorme e com o couro puído.

Porém, como já dizia o saudoso Luiz Carlos Alborghetti em uma de suas frases mais icônicas:

"Todo dia tem uma merda!"

Vocês entenderão.

Trabalho como professor no horário noturno, e como meus horários são corridos, costumava almoçar num restaurante perto da escola. Até o dia em que minha esposa bateu o pé insistindo que eu parasse de comer como um sultão com um salário de escravo. Fazer o quê, né? Almoçar caro é bom, mas ser casado ainda é melhor.

Como o cabeça e líder da família, diante da ordem da minha esposa, ergui minha voz, olhei em seus olhos e mostrei quem é que manda naquela casa:

Ela. Parei de almoçar fora e agora como em casa antes de sair para o trabalho.

Todavia, entre meus atrasos voluntários, acabei por me distrair demais e tive que partir logo para o serviço e optei por almoçar próximo ao local de trabalho.

A comida estava uma delícia. Enchi o prato. Paguei caro. Só não sabia que pagaria TÃO caro assim.

Essa semana é semana de provas. E durante uma prova o professor não deve se ausentar da sala.

Dado o contexto da noite em questão, lecionei normalmente.

Nas últimas aulas a avaliação bimestral foi aplicada. Tudo corria bem. Eu tenho certa afinidade com os alunos, logo o ambiente é agradável. (Exceto quando é o dia da minha prova. Aí eu mudo o personagem).

De repente, algo de errado não estava certo. Meu estômago comunicou ao meu cérebro e vice-versa. Nessa relação cabeça-bucho um enjoo muito forte dominou-me.

"Gente, o que é isso?"

Eu estava saudavelmente bem. De súbito precisei ir ao banheiro. Pedi para que a inspetora me rendesse enquanto iria ao sanitário.

Imaginei que sairia por cima. Foi por baixo.

Um jato. Diarreia.

Surpreendi-me.

Ao retornar para a sala (depois de um certo tempo) alguns alunos gritavam:

"E aí, cagão? Entupiu?"

Daí para pior.

O desejo de evacuar não passou. Contudo um pensamento invadiu-me:

"Creio que consigo aguentar uma hora até chegar em casa"

Para o trajeto do retorno ao lar, felizmente consegui uma carona com minha coordenadora e uma professora. Deixaram-me numa estação de trem.

"Aqui tá bom. Pelo menos sei que nessa estação tem banheiro".

"Eita, Leandro. Por que?"

"Nada não. Acho que algo que comi não caiu bem."

Mal eu sabia que não apenas cairia mal. Mas que cairia literalmente.

Subi a rampa da estação para pegar o trem. Antes fui até o banheiro.

Ocupado. Todos.

Desisti de usar.

"Acho que aguento até chegar em casa".

Não sei se você conhece sua anatomia, mas existe algo chamado "Proximidade perigosa". Esse conceito eu mesmo inventei e é de fácil explicação:

Quanto mais perto de casa ou de algum banheiro provável, mais perto de ceder.

Meu trem chegou. Embarquei. Suando.

Ao desembarcar pelo lado direito atropelei as escadas rolantes e fui andando rápido até chegar em casa, uma vez que havia perdido o ônibus que passa por lá e, segundo os cálculos do aplicativo do celular, demoraria muito para vir o próximo.

E assim como nos negócios, o tempo é um fator de suma importância para quem está segurando o barro há mais de uma hora.

Virei a avenida principal e vi a rua da minha casa. Apartamento. Residência. Banheiro. Socorro.

Nessa hora eu já estava andando torto.

Mandei mensagem para minha amada esposa:

"Já deixa a porta aberta e nem me cumprimenta. Estou me desmanchando."

Ela riu e mandou um:

"Vem com Deus".

Ele veio. Creio que rindo. Ou torcendo por mim.

Abri o portão automático do condomínio. Nem cumprimentei o amável porteiro. Fui correndo ao elevador.

"Quanto mais perto, mais frouxo. Mais pesado. Mais insuportável é segurar."

O elevador veio. As chaves de casa já estavam em minhas mãos. Minha mochila pesava uma tonelada. Não tanto quanto meu intestino.

Apertei o botão. A porta fechou.

Agora era só aguardar o elevador subir até meu andar.

Não deu.

Uma explosão interna como o vulcão Vesúvio ocorreu dentro de mim. Uma dor física com um calafrio foi me possuindo até minhas pernas não mais resistirem e meu cérebro enviar o comando para a região digestiva:

"Abre-te, Sésamo!"

Infelizmente fiz o que pude. Mas não teve jeito.

Senti que as pernas ficavam mais deslizantes pelo conteúdo que escorria. Agora a mochila já não estava tão pesada.

Porém minha roupa sim. Um peso molhado e mal cheiroso. O cheiro da derrota. Do fracasso. De ter tentado, lutado até o fim, nadado tanto contra a correnteza e ter morrido na praia. Numa praia de fezes.

Entrei lentamente em casa.

"Vai lá, amor. Deixa suas coisas aí e já corre pro banheiro".

Respondi cabisbaixo.

"Não deu tempo".

Perdi a guerra no limiar de alcançar a última tropa inimiga. Fui alvejado por um tiro dado por mim mesmo.

Mas há detalhes sórdidos.

O que o cinto tem a ver com isso?

É que precisei abri-lo com toda força dentro do elevador. Entretanto não foi só o cinto que se abriu.

Como só estava eu e Deus (que veio comigo segundo o pedido de minha esposa) o elevador. Foi lá mesmo.

Calças abaixadas. Mirar. Atirar.

Senti-me um pombo.

Todavia não imaginava que viria com tanta força. O elevador foi invadido por uma torrente mole de esterco. Explodiu no chão e salpicou nas paredes, nos botões e no espelho. Espirrou em grande escala pela minha roupa e o cinto foi um dos mais atingidos pelas rajadas do meu próprio corpo. Ao tentar removê-lo, ele virou um açoite merdoso que deslizava em meus dedos e estragava-se em seus furos feitos de faca. O couro foi se soltando. E isso entendi na pele.

Ou melhor, na roupa.

Aliviado por dentro fisicamente, entrei em meu banheiro, tomei um banho. Longo. Troquei de roupa e joguei o cinto fora.

Amava aquele cinto. Acompanhava-me em todos os compromissos em que eu me valia de uma calça jeans ou social. Quantos cultos não fui com ele... Quantas vezes trabalhei com ele... Quantas aulas... mas assim como não resisti o cocô por muito tempo, meu cinto também precisava ceder.

O que mais me deixa triste não é o fato de que tive que comprar um cinto novo.

Mas ter lembrado apenas hoje pela manhã que no elevador tem câmera.

Fim.

(Não, gente. Não aconteceu assim kkkkk. Só joguei o cinto fora porque estava velho. A história verdadeira foi que cheguei em casa e pude me aliviar. O resto foi mera coincidência kkkk).

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 19/09/2024
Reeditado em 19/09/2024
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