Se soubesse tinha feito antes!

Se soubesse tinha feito antes!

Certa vez, Caroline brincava com suas amigas no quintal de sua casa e apesar de ter apenas 8 anos de idade, sabia coordenar as brincadeiras e organizar o ambiente, fazendo com que elas tivessem momentos agradáveis ali. Ela não tinha irmã ou irmãos, logo, suas amigas tiveram um papel fundamental em seu processo de socialização, pois além de serem amigas, eram colegas de escola🎒.

Aqueles momentos de descontração com as colegas na escola ou em sua casa, eram calorosos e especiais. Sua mãe, a jovem senhora Jeniffer, sempre fazia questão de receber as garotas em sua singela casa depois da aula, mas tinha um quintal enorme, recheado de plantas e árvores frutíferas, espaço perfeito para brincarem livremente.

Aqueles momentos de lazer, interação umas com as outras e com a natureza, fizeram de Caroline uma criança feliz e consequentemente guardou em sua memória momentos alegres e emocionantes 💖

Quando completou 15 anos, a jovem Caroline ganhou uma festa de seus pais. Festa essa, que ela nem gosta de lembrar. Marcada por brigas com as amigas, sua mãe tomou uma decisão. Não teria mais festas no seu aniversário a partir daquela ocasião e ponto final. Ela e suas amigas, ingeriram bebida alcoólica pela primeira vez e ficaram bêbadas, descontroladas, xingavam umas as outras, não falavam coisa com coisa, ofenderam os convidados, foi desastrosa aquela data.

Como tudo é uma fase, passaram-se os anos e a doce e alegre Caroline foi para faculdade. Sem amigas por perto, estava perdida, não tinha com quem conversar, mas tudo bem, era só o primeiro dia de aula. Esse dia especificamente, foi curioso, porque ao invés de se aproximar de moças, ela sentou-se perto de rapazes para tentar interagir de alguma forma.

Foi então que ela conheceu Estevão, rapaz sorridente, simpático, a convidou para irem na cantina juntos tomarem um suco, afinal, fazia muito calor na cidade de Nova Friburgo. Lá estava ela, radiante, alegre como sempre, interagindo, conversando e ouvindo as aventuras do amigo.

Ao chegar no apartamento que estava instalada, sentiu um cheiro agradável. E deduziu que fosse o vizinho fazendo algo para comer, parecido com bolo de banana. Hum, ela adorava bolo de banana, especialmente o que sua mãe fazia. Ah , deixa pra lá, pensou e se contentou com uma barrinha de cereal que comprou na cantina da faculdade.

Aquele semestre de Medicina foi bem complicado para a jovem, pois além de estar longe de casa, seu outro colega de turma, Ricardo, com quem se deu bem, havia pedido transferência para outra Universidade. Ficou visível sua decepção, levando em consideração que estavam dividindo o mesmo apartamento havia 2 meses para diminuírem despesas.

Despediu-se do amigo na estação do metrô e voltou chorando para seu cantinho, não só pela grana que faria diferença, mas pela companhia de Ricardo, que sempre a respeitou e adorava ouvi-la em seus poucos momentos de reflexão. Mas o que a consolava é que o namorado de Ricardo também ficara para trás nessa mudança e era garantia que ele voltaria no verão, pelo menos para passear.

Caroline estava em seu último dia de aula do semestre, especificamente estudando morfologia das células, quando entrou em desespero, se viu sozinha no meio de todos os demais alunos, inclusive de Estevao, foi quando começou a chorar, a debater-se levemente os braços e tentar corta-los com um estilete na frente da turma.

A professora imediatamente interviu, abraçando-a fortemente enquanto gritava para alguém tomar o estilete das mãos dela. Cássia não sabia ao certo como lidar com Caroline, mas naquele momento, só pensou em salvar aquela vida de um perigo maior. A professora levou a moça que estava em prantos para o ambulatório médico da faculdade. A aula foi suspensa e Cássia ficou o tempo todo com a aluna, abraçando-a e tentando conseguir algum contato com seus pais.

E para a surpresa de Cássia, a jovem e até então alegre Caroline não queria passar o contato dos pais, não queria vê-los e muito menos que eles soubessem do acontecido. A professora então respirou fundo e percebeu que havia algo de errado acontecendo ou acontecido.

Após ser medicada, e depois de passar a noite em observação no ambulatório, o médico de plantão deu alta pra ela, porém, a orientou a procurar um amigo dele que era psicologo e lhe entregou um cartão.

Com dores no corpo ainda, Caroline deixou o ambulatório e foi para estação pegar o metrô. No caminho, desligou o celular, pois lembrou-se que aquele horário era para estar no caminho pra casa dos pais de férias. Chegando no apartamento, tomou um banho demorado e relaxante. Ficou se lembrando da cena que aconteceu e no abraço apertado que recebeu naquele momento de crise, quis chorar novamente.

Na cozinha, fez um capuccino gelado que tanto gostava de tomar quando estava com o Ricardo e ficou estática olhando para a geladeira e pensou: eu daria tudo pra ter meu amigo de volta.

A noite parecia mais fria do que o comum, o vento batia na janela e tinha a sensação que iria levá-la. Mas isso não aconteceu, Caroline se acabou de chorar, parecia que suas lágrimas não tinham fim, chorou incessantemente como nunca chorou antes. Ela pensou que era melhor ter ficado no chuveiro.

Então resolveu mandar mensagem para Ricardo, porém, sem êxito. Lembrou-se do psicólogo que o médico indicou, porém, já era tarde para tentar contato com ele. Querendo ou não, aquele choro aliviou um pouco sua angústia e conseguiu dormir.

Ao som de Coldplay, ela acordou naquela manhã de domingo, bem melhor, fez até uma crepioca com geleia de morango 🍓. Nossa, quanto tempo eu não comia isso, exclamou! É muito bom, pena que não sinto falta de onde aprendi a comer isso.

Por um instante, parecia que aquela noite fria e chuvosa ainda não tinha passado. Mesmo assim terminou de comer. Bom, pensou ela, já que estou aqui nessa cidade rodeada de praias e hj é domingo, quase impossível falar com alguém, exceto sua mãe que ligava e mandava mensagens sem sucesso, foi dar um pulinho na praia.

Foi o que fez, pegou o metrô rumo a praia de Ipanema. Parecia que estava em outro país pensou ela. Estava rodeada de pessoas diferentes, com idiomas diversos, um sol ☀️ que nem parecia que tinha chovido tanto antes.

Naquele momento ela conseguiu se distrair, como fez a vida toda! Como sempre conseguiu disfarçar aquilo que escondia. "Sim, estou no Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa, vou aproveitar!" Tirou várias fotos, mergulhou no mar e até esticou o passeio, visitando restaurantes tradicionais, se hospedou em um hostels que tinha por perto.

Ao entrar no quarto comunitário, lembrou-se das amigas de infância, que compartilhavam brinquedos, mas quarto, pensou, isso nunca. Já que era uma opção mais em conta, tinha que encarar. A noite demorava a passar, a luz acessa embaixo da beliche a incomodava, até que pegou no sono.

"Atenção, café até às 10:00" , reforçava a mulher da recepção em tom alto, pois já era 9:00 hs e ela não tinha se levantado. Estava morrendo de fome, mas o sono falou mais alto e continuou a dormir. Depois de 3 horas, se levantou, tomou banho e fez o checkout, procurou uma lanchonete e comeu um pão de queijo com café ☕. Foi para a estação pegar o metrô de volta, quando seu celular vibrou novamente. Era sua mãe, mas Caroline não atendeu. Foi uma mistura de saudade com alívio de poder escolher entre atender ou não.

A senhora Jeniffer havia deixado várias mensagens, mas essa última chamou a atenção da filha. Dizia assim: Te amo infinitamente!

Ela não conseguia entender esse infinitamente da mãe, afinal, ela sempre dividiu a atenção dela com o pai, e as vezes até ficava ao lado dele nas brigas.

Exclamou: "finalmente cheguei, como é bom estar de volta ao meu cafofo". Não queria pensar em mais nada, a não ser tomar uma ducha e ouvir uma boa música naquele fim de tarde.

A noite caiu e lá estava Caroline, presa em seus pensamentos, mas decidiu ligar no dia seguinte para o psicólogo.

Assim que se levantou, a primeira decisão que tomou, foi de fazer a ligação para o profissional indicado. Conseguiu horário para o mesmo dia a tarde, pois o médico que atendeu ela, já havia passado para o colega, a necessidade da jovem.

Ela estava ansiosa para chegar o horário da consulta, até saiu de casa mais cedo com medo de chegar atrasada.

Chegando lá, ficou encantada com o ambiente do consultório, muito aconchegante e bem divertido ao mesmo tempo, com dizeres na parede com frases motivacionais. Mas uma lhe chamou mais atenção, dizia assim: " se quer ter luz, seja luz na vida de alguém." Aquele dizer deixou ela pensativa, pois se lembrou da professora Cássia que a acudiu em sua crise, pensou em como ela foi luz em sua vida, mas ela não estava sendo luz na vida de ninguém naquele momento.

Chegou sua vez, entrou, sentou-se e admirou-se com tanta simpatia daquele profissional chamado Robson.

Ela nunca viu um profissional da saúde tão atencioso, ouviu ela sem questionamentos, sem anotações. Pediu que voltasse no final da semana para que continuassem as terapias. Ela concordou e deixou marcado.

Os dias passaram lentamente, mas de certa forma, melhores, já que a primeira sessão lhe fez muito bem. Se soubesse, tinha tomado essa decisão antes, pensou.

Chegado o dia da segunda terapia, a jovem não aguentou, chorou, chorou e chorou na presença de Robson, que prontamente a abraçou silenciosamente. Após ela se acalmar, ele pediu que voltasse na semana seguinte. Ficou agendado.

No dia da consulta, Caroline não apareceu, o que deixou Robson muito preocupado, em razão da situação emocional da jovem. Foi então que pediu para a secretária ligar pra ela, na tentativa de verificar se haveria a possibilidade de remarcar a consulta. Sem sucesso, ela não atendia.

Era uma situação delicada, pois ela contou para Robson tudo que havia no seu mais íntimo e agora estava com vergonha dele.

Mas por outro lado, ela precisava falar o que estava acontecendo com alguém, foi necessário e Robson deixou mensagem pra ela que se mudasse de ideia poderia ligar no seu celular particular para conversarem em outro lugar.

Foi o que resolveu fazer, ligou para ele e foram para um quiosque conversar.

A partir desse dia ela tomou a decisão de se assumir e "sair do armário". Sim, ela estava liberta, assumiu sua posição sexual perante a sociedade e perante os pais e não teve mais crises. Eles ficaram surpresos, mas aceitaram. "Talvez para algumas moças seria mais fácil", pensou ela, "mas para mim, achava complicado", seus pais davam de tudo para ela, tinha medo deles não a apoiarem e sem contar que tinham receio do julgamento de familiares e amigos.

Robson ficou feliz em ajudá-la. Caroline se ajudou também ao procurar ajuda!

Ela se formou em Medicina e casou um ano antes da formatura com Jaqueline, sua colega de turma.

Atualmente, ambas trabalham em um Hospital na Barra da Tijuca e fazem trabalhos voluntários quando surge a oportunidade. Caroline finalmente, encontrou o significado de ser luz na vida de alguém. Mas do que isso, encontrou sua luz própria agora pode brilhar para o mundo!

O pai de Jaque já é falecido e tanto a mãe dela como a de Caroline vão visitar elas nos feriados prolongados e curtirem uma praia.

Fim!

Débora Bonfim
Enviado por Débora Bonfim em 17/09/2024
Reeditado em 17/09/2024
Código do texto: T8154054
Classificação de conteúdo: seguro