Manduca - R. Santana

 

     Manduca é matuto por convicção, faz questão de ser matuto, nasceu na roça, viveu na roça, criou os filhos na cidade e permaneceu na fazenda até dias atrás quando teve que vendê-la pra morar na cidade pelo peso da idade. Manduca é uma pessoa simples, porém, o que lhe diferencia das pessoas de sua idade, é sua resistência às coisas novas, principalmente, o celular e o telefone. Como Ariano Suassuna e Getúlio Vargas, ele tem aversão a esses aparelhos de comunicação à distância, som e imagem em tempo real.

     Quem mais zoa Manduca é seu neto primogênito. Ele provoca seu avô, pois conhece sua reação:

     - Vô, o senhor já ouviu falar em site de relacionamento?

     - Não!

     - O senhor bate–papo descompromissado com uma pessoa pela Internet até conhecê-la pessoalmente e chegar ao namoro ou ficar na amizade!

     - Meu neto, não é melhor conhecer a pessoa de carne e osso do que pela Internet?

     - Vô, se mora em outro estado ou outra cidade?

     - Nesse caso é melhor nem conhecê-la. Com tanta mulher aqui, irei procurar uma mulher em outro lugar!?

     - Vô, hoje, o senhor vê a imagem e ouve a pessoa a centena de quilômetros de distância pelo celular ou pelo tablet!

     - Meu neto, eu não sei e não quero usar esses equipamentos. Gosto do olho no olho, de ouvir a respiração, de tocar na pele e conhecer a alma da pessoa por dentro, namorar de longe é coisa da modernidade. Eu e sua avó namoramos muito tempo, adivinhava seus gostos e sua vontade pelo olhar.

     - Vô, isso foi naquele tempo que se amarrava cachorro com linguiça, papagaio era meu louro e dois cruzados meu dinheiro!      Hoje, o tempo é outro, tempo novo, tempo de novas tecnologias, não de atraso – o velho olhou para as grades da casa e respondeu como se o neto não estivesse ali:

     - Tempo é tempo, o tempo não muda, as pessoas, as situações e as coisas que mudam. Eu nasci na roça, meus pais não eram ricos, mas tínhamos a natureza como riqueza, fartura na mesa, tínhamos liberdade como bem maior: tomávamos banho no rio, subíamos na árvore mais alta para pegar a última fruta, à noite, brincávamos de picula no terreiro, jogávamos bola no campo de várzea, os nossos pais sentavam-se na porta para prosear sem medo, hoje, vivemos atrás das grades, não proseamos na calçada com o vizinho, perdemos nossa liberdade e nossa paz      – voltou olhar para o neto e concluiu: - meu neto, pra quê tanta tecnologia? Se nós perdemos a vida todos os dias e ficamos presos em nossas casas protegidos pelas grades?

     - Vô, cada coisa no seu tempo, as pessoas têm que se adaptar ao tempo, não o tempo às pessoas. Conheço idosos que se adaptaram às novas tecnologias sem resistência, eles fazem pagamentos pelo celular, transferem valores, compram nos mercados produtos alimentícios de pronta entrega, “delivery”, “UBER”, etc. Não seria necessário o senhor ir ao banco sacar dinheiro pra fazer o básico, tudo pode ser feito com o celular que cabe na palma da mão.

     - Meu neto querido, eu sei de tudo isso que falou, porém, eu gosto de gente. Quando eu vou ao banco, converso com os funcionários, converso com gente nova e gente da minha idade, ando pelas ruas, visito as lojas (na maioria das vezes não compro nada), somente, pelo prazer de andar. Já pensou se ficasse dentro de casa enclausurado? Morreria de tédio – completou:

     - Quando eu adoeci, cada um de vocês, tinha um pretexto pra não tomar conta de mim, quem me deu assistência foi o açougueiro, o dono do mercadinho, o dono da padaria, os meus vizinhos, os meus amigos... O celular pode lhe dar conhecido virtual, não amizade.

     - Vô, não seja injusto, quando o senhor adoeceu, eu não estava aqui, mas seu filho e sua nora e meus irmãos vieram lhe dar assistência.

    - Eles visitaram-me, no entanto, naquele momento, eu precisava de muito mais. Entendo que todos têm seus afazeres, eles não podiam ficar paparicando um velho doente, além do mais, a empregada cuida de mim, da minha comida e minha roupa, porém, o cuidado de filho, de neto e nora, o cuidado é diferente, cuidado com amor.

     - Vô, eu peço-lhe desculpa por galhofar do senhor, pensei que não aderiu às novas tecnologias por ignorância e birra, mas saio daqui, consciente que não usa esses apetrechos modernos por convicção e sabedoria.

     Os dois se abraçaram e prometeram se entender dali em diante.

 

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

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Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA

Imagem: Google