Márcia era mãe de três filhas adolescentes: Carol, Bruna e Lúcia. Sempre fora uma mulher forte, uma rocha que enfrentava os desafios de ser mãe solteira com coragem. No início, a casa transbordava de risos, os dias eram leves. Márcia inventava mundos encantados, onde suas filhas eram princesas valentes, guerreiras invencíveis, e juntas riam como se o amanhã nunca fosse pesar. Mas o amanhã chegou, e trouxe consigo uma escuridão insuportável.

As contas se amontoavam como fantasmas inescapáveis. Os três empregos, que mal mantinham a família de pé, sugavam sua energia até o osso. A solidão apertava seu coração com mãos invisíveis, esmagando-o dia após dia. O peso da vida, antes um fardo que ela conseguia carregar, começou a esmagá-la lentamente. A pressão tornou-se insuportável. Certa madrugada, a corda arrebentou.

Ela acordou gritando, fora de si, as palavras se misturando ao choro desesperado. As filhas, assustadas, olhavam sem entender. Chamaram a vizinha, que veio rapidamente, e juntas a levaram ao hospital. Quando voltou, após dias de observação, tudo já estava irreparavelmente diferente.

Carol, antes a filha risonha e animada, agora a evitava com um silêncio pesado. Bruna, que sempre a envolvia em abraços aconchegantes, agora passava por ela como se estivesse fugindo de uma estranha. E Lúcia, com seus olhos grandes e inocentes, a observava com um misto de medo e confusão, como se já não soubesse mais quem era aquela mulher diante dela.

As tentativas de recriar as brincadeiras de antes eram recebidas com olhares de desconfiança. A casa, antes cheia de vida, parecia ter se tornado uma prisão de muros altos e insuperáveis.

“Você está vendo coisas, mãe?” perguntou Bruna uma noite, com uma frieza assustadora.

Márcia ficou imóvel. Coisas? O que ela queria dizer?

Carol, sentada no canto, murmurou para Lúcia, mas sua voz ecoou alto demais para que Márcia não ouvisse: “A mamãe está esquizofrênica…”

Aquelas palavras a atravessaram como uma lâmina. A mente que antes abrigava imaginações felizes para as filhas, agora se tornava um lugar sombrio e traidor. Ela tentou responder, mostrar que ainda era a mesma, mas os olhares vazios das filhas apenas a empurravam para um abismo de desespero. Cada sussurro delas, cada risada abafada quando pensavam que ela não ouvia, era como um golpe silencioso que lhe arrancava pedaços.

A casa, agora fria e silenciosa, ecoava a solidão de Márcia. As conversas desapareceram, os momentos de proximidade se transformaram em lembranças distantes, e o riso... Ah, o riso se fora para sempre. No lugar, restava o silêncio esmagador, quebrado apenas pelo som de seu próprio coração, cada batida mais descompassada, mais dolorida.

Certa noite, sozinha no quarto, ela ouviu as filhas murmurando do outro lado da porta. Bruna, sem nenhuma piedade, disse: “Ela não vai melhorar. Acho que já perdemos a nossa mãe. Estamos sozinhas agora.”

Essas palavras a dilaceraram. Márcia se olhou no espelho e viu uma estranha. Onde estava a mulher forte que criara as filhas com tanto amor? O que restava dela? Nada além de um vulto, uma sombra do que fora. Suas filhas, aquelas que ela mais amava no mundo, agora a viam como um fardo, uma ameaça, uma loucura ambulante.

Ela queria gritar, correr até elas, abraçá-las até que sentissem o quanto ainda eram amadas. Mas seus pés não se moviam, suas palavras estavam presas na garganta, sufocadas pela tristeza que a afogava lentamente.

As semanas passavam, e Márcia se isolava cada vez mais. O medo de perder definitivamente o amor das filhas a corroía por dentro. Mas, por mais que lutasse, o abismo entre elas só crescia. Márcia sabia que já não era mais a mãe que elas precisavam, e essa culpa a esmagava.

Então, numa manhã fria, enquanto tomava o café sozinha, ouviu Carol sussurrar para Lúcia: “Talvez fosse melhor se ela não estivesse mais aqui... Nós teríamos paz.”

Márcia congelou. O café em sua xícara esfriou, mas o frio real estava dentro dela. As palavras de sua filha mais velha, ditas sem remorso, arrancaram-lhe qualquer vestígio de esperança. Ela sabia, então, que sua presença não trazia mais consolo, apenas dor.

Lágrimas desciam por seu rosto, marcando suas feições cansadas. Ela entendia, finalmente, que a verdadeira solidão não era estar sozinha, mas perder o vínculo com aqueles que amava mais do que a própria vida. Sabia que as filhas estavam construindo um mundo sem ela, e não havia nada que pudesse fazer. O silêncio na casa era absoluto, opressor. O som do relógio na parede era a única coisa que movia o tempo, enquanto o coração de Márcia se despedaçava lentamente, em silêncio, como tudo ao seu redor.

 

 

 

 

 

 

 

Barbosa Thiago
Enviado por Barbosa Thiago em 17/09/2024
Reeditado em 17/09/2024
Código do texto: T8153466
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