Uma certa vertigem?
Hoje, penei para sair da cama. Acordei com mal-estar, uma certa vertigem. Não nos olhos. Meus medicamentos me trazem mal-estar; uma certa vertigem. Meu peito dói; uma certa vertigem. Cambaleei, à noite, nos arredores do centro urbano, ao lado do parapeito. Minha cabeça doía; uma certa vertigem. Meus passos, cada vez mais acelerados, destinavam-se à minha casa. Entrei. Uma certa vertigem. Em um ímpeto desenfreado, despi-me, encarando meu corpo no espelho. Não consegui enxergar bem, parecia inebriado; uma certa vertigem. Fiz uma conchinha com a mão, lavando o rosto. Olhei o espelho. Uma certa vertigem. Não enxergo. Assenti, no final, sozinho. Pouco importa. Vagar, à noite, tinha um cheiro podre. Prostitutas me enojam. Próximo do meu aniversário, paguei uma. Estava ansioso. Cigarro me enoja. Em uma festa, traguei. Não gosto de magoar minha esposa. Ela terminou comigo pelo trago. Fumaça ou mulher? Quem sabe.
Pulei na cama, deitando-me de bruços. Olhei o teto, com uma certa vertigem. Ouvi uma batida na janela. Esgueirei-me, ligeiro, à janela. Não enxergava; uma certa vertigem. O vidro não estava embaçado. As cores se fundiam, difundiam e espalhavam. Não consigo enxergar. O crepúsculo penetrava minha retina; uma certa vertigem. Há um tempo, estava assim, com vertigem. Não me incomodava, mas preciso enxergar. Amanhã trabalharei, novamente. Voltarei à noite. E, sempre à noite, uma certa vertigem. Dormi.
Despertei atrasado. O trabalho me consome, todos tipos de trabalhos: amoroso, econômico, e, principalmente, aquele lá, de Estar. Nunca gostei de trabalhos. Gosto de dormir.
Agarrei, como um touro desenfreado, minhas roupas, espremendo meu corpo, em seguida, pela preocupação — e pela roupa quente para o diabo. A chuva, outrora, inundou todo meu bairro; agora, rasgava o céu, unificando-se ao breu que se alastrava, hoje, no horizonte. O Sol nasceu. Estou com uma certa vertigem, não consigo enxergar direito. Não enxergo a minha frente, nem minha traseira, e não me incomoda. Está me incomodando, mas preciso me dedicar ao trabalho. Gosto de trabalhar. Ou ao menos, com uma vaga memória, presumo que goste. Não sei mais. Trabalho há, no mínimo, cinquenta anos. Sou um ótimo servente, um ótimo trabalhador; jamais, em nenhuma hipótese, fui indisciplinado. Adoram-me. Ganhei um bolo de aniversário, há seis meses. Intitulado: "Parabéns ao nosso fidedigno e indispensável Brás". Emocionei-me.
Fui ao trabalho. Com minha chegada, tudo parecia igual, portanto, me agradava. Agarrei a vassoura e comecei a limpar, acumulando todo o lixo da semana, na lixeira. Fui chamado, por algum motivo desconhecido, na sala de recepção:
— Você está demitido.
— O quê?
— Você está demitido, pode recolher suas coisas. Obrigado pelos serviços prestados.
— Eu não entendo. Qual razão disso? — respondi, prendendo um nódulo de confusão no cérebro.
— Você está velho, está frágil e débil.
— Isso não se faz!
— Obrigado, novamente, pelos serviços prestados.
— Isso não é desculpa. Todos vocês ficarão velhos! Entenderão logo!
— Hã. Do que diabos está falando, rapaz. Só saia logo... — disse ele, distraído, olhando para o espelho no teto, encarando-se. Estranhamente, não me refletia; como se fosse invisível. Pode ter sido minha vertigem?
Fui para casa. No caminho, o céu estava limpo, azulado, com poucas nuvens. Onde está minha vertigem? Pensei.