Filho Digital
No ano 2000, Francisco e Fernanda estavam radiantes com a chegada de seu primeiro filho, Heitor. Francisco com 45 anos e ela com 47, eles sonhavam em proporcionar a Heitor um mundo de possibilidades e diversão. Assim, desde cedo, Heitor foi presenteado com os mais recentes dispositivos tecnológicos: desde consoles de videogame até, eventualmente, smartphones. Francisco e Fernanda tinham plena confiança de que essa tecnologia era a chave para um futuro brilhante para o filho.
Com o passar dos anos, Heitor mergulhou de cabeça no mundo digital. Seus dias eram preenchidos por jogos, vídeos e aplicativos que mantinham sua atenção focada na tela. Ele estava sempre imerso em um universo virtual, distante da realidade que girava ao seu redor. Seus pais, embora sempre presentes, eram muitas vezes ignorados em favor de mais um vídeo, jogo, um filme ou uma maratona de seriados legais.
À medida que Heitor crescia, sua desconexão com o mundo real se aprofundava. Ele nunca parecia perceber que seus pais estavam envelhecendo. Francisco e Fernanda eram agora um pouco mais lentos, com rugas e cabelos grisalhos que Heitor notava apenas de forma superficial, se notasse. Eles tentavam se manter atualizados, comprando os gadgets mais recentes e participando das atividades que Heitor gostava, mas seu esforço parecia em vão.
No entanto, algo inesperado aconteceu. Um dia, Francisco e Fernanda decidiram sair para um jantar romântico, algo que não faziam há anos. Era uma oportunidade para relembrar os velhos tempos e celebrar a vida a dois. Heitor, como sempre, estava em seu próprio mundo, engrossando a série de vídeos que estava assistindo, os pais se despediram: Filho, estamos indo! O pai disse: Deixa, ele não vai ouvir, está com fones de ouvido como sempre.
Naquela noite, uma tragédia inesperada ocorreu. Francisco e Fernanda morreram em um acidente de carro, ninguém sabe explicar de onde surgiu aquele caminhão desgovernado, dizem que perdeu os freios.
A notícia chegou a Heitor como um balde de água fria. Ele não estava preparado para lidar com a dor e o choque. Ao olhar para a casa, que sempre considerara um paraíso de entretenimento, Heitor viu-a de uma maneira completamente nova.
A casa, que antes parecia um cassino de diversão, agora parecia um labirinto solitário e vazio. Os consoles de videogame e os smartphones estavam lá, junto com uma infinidade de CD's e DVD's e bonecos de personagens em geral, mas perderam seu brilho. Heitor passou a se dar conta de tudo o que havia ignorado: as conversas que não teve, os abraços que não deu, o amor que nunca expressou. Ele se viu num espaço repleto de coisas, mas completamente vazio de conexão humana.
Com o luto profundo e a culpa corroendo-o, Heitor tentou encontrar consolo em sua antiga paixão por tecnologia, mas nada parecia aliviar a dor. Ele percebeu, tardiamente, o quanto seus pais eram especiais, e o quanto eles haviam feito por ele. Sem os pais, sua vida estava agora cheia de brinquedos tecnológicos, mas completamente desprovida de amor e apoio.
A casa se transformou em um presídio, não porque estivesse fisicamente cercado, mas porque agora ele estava preso em sua própria tristeza e arrependimento. A diversão havia desaparecido, substituída por uma profunda solidão.
Heitor passava horas revisitando fotos e vídeos antigos dos pais, tentando encontrar algum consolo em memórias. Ele se deu conta de que, mesmo em sua ausência, o amor deles estava presente em cada detalhe da sua vida. Ele prometeu a si mesmo que, um dia, poderia encontrar uma maneira de honrar o legado de seus pais, talvez ajudando outras pessoas a não cometerem os mesmos erros que ele fez.
Com o tempo, Heitor começou a reconstruir sua vida, mas com um novo propósito. Ele sabia que nunca poderia reverter o que aconteceu, mas dedicou-se a ajudar jovens a encontrar um equilíbrio entre o mundo virtual e o real, ensinando-lhes a valorizar o amor e a conexão humana antes que seja tarde demais.