O Terminal
No frenesi de uma manhã comum no Rio de Janeiro, Rafael se viu no meio de um pesadelo. Chegou ao aeroporto Santos Dumont atrasado, apenas para descobrir que seu voo para São Paulo havia acabado de partir. Uma reunião importante o esperava naquela noite na capital paulista, e ele não podia simplesmente desistir. Em uma mistura de desespero e raiva, correu até o ponto de táxi. A companhia aérea seguiu seus protocolos: reembolso, hospedagem, alimentação e tudo o mais. Mas o próximo voo só partiria em quatro horas, e, sofrendo de ansiedade e medo de altura, Rafael não pensou duas vezes.
— Rodoviária Novo Rio, por favor! — disse Rafael ao taxista, tentando esconder a frustração na voz.
O motorista, um homem de meia-idade com barba grisalha e um boné surrado, acenou com a cabeça e partiu sem dizer uma palavra. O trânsito da cidade estava particularmente caótico naquele dia, e a paciência de Rafael já estava por um fio. Ele observava o taxímetro subir rapidamente enquanto o carro serpenteava pelas ruas.
— O senhor está pegando o caminho mais longo? — perguntou Rafael, tentando manter a calma.
— Não, meu patrão, é o trânsito. Tá tudo parado hoje. Relaxa aí, vai dar tempo! — respondeu o taxista, com um tom tranquilo, mas sem tirar os olhos da estrada.
Rafael olhou para o relógio no painel do carro e sentiu o suor escorrer pela testa. Estavam andando em círculos. Reconheceu o mesmo prédio pela terceira vez. Ele se inclinou para a frente, tentando entender o que estava acontecendo.
— O senhor tem certeza de que sabe para onde está indo? — perguntou, a voz agora carregada de desconfiança.
O taxista lançou um olhar pelo retrovisor, um sorriso que era mais um esgar de quem estava no controle da situação.
— Claro, claro... mas se quiser que eu pegue um caminho diferente, é só falar — disse, num tom enigmático.
Depois de mais alguns minutos rodando sem rumo claro, Rafael perdeu a paciência.
— Para o carro! Eu vou descer aqui mesmo! — ordenou, a voz finalmente explodindo em frustração.
O taxista estacionou com uma lentidão irritante e virou-se para ele.
— O preço é esse aqui, chefe — disse, apontando para o taxímetro, que marcava um valor exorbitante.
Sem ter outra opção, Rafael pagou o que o homem pedia, sentindo-se duplamente roubado — pelo tempo perdido e pelo dinheiro desperdiçado. Desceu do táxi bufando, no meio de uma avenida movimentada, sem nem saber onde estava.
Olhou em volta, tentando localizar um ponto de referência. Finalmente, viu uma placa indicando a direção da Rodoviária Novo Rio. Decidiu seguir andando, o que só aumentou sua frustração. Depois de uma longa caminhada, finalmente chegou à rodoviária. O terminal estava abarrotado de pessoas indo e vindo, numa confusão organizada que só as grandes cidades conhecem. Rafael, exausto, dirigiu-se ao guichê para comprar uma passagem.
— Próximo ônibus para São Paulo? — perguntou, ofegante.
— Vai sair em quinze minutos, senhor — respondeu a atendente com um sorriso ensaiado.
Com o bilhete em mãos, Rafael sentou-se em um dos bancos de espera, tentando controlar a frustração. Enquanto esperava, pegou o celular para informar ao chefe que estava a caminho, apesar do imprevisto. O chefe gostava de encontrar os funcionários bem antes das reuniões, para contar suas piadas sem graça e se vangloriar dos próprios feitos em qualquer restaurante chique, é claro.
— Sim, sim, já estou na rodoviária... — disse, tentando soar calmo. — O próximo ônibus sai em breve. Vou chegar a tempo da reunião, prometo.
Enquanto falava, notou uma criança em uma cadeira de rodas a poucos metros de distância, observando-o com curiosidade. Rafael olhou para o relógio e viu que já eram 9 horas.
A mãe da criança se aproximou empurrando a cadeira e, com um sorriso gentil, perguntou:
— O senhor sabe que horas são?
Rafael olhou para o relógio novamente e respondeu:
— São 9 horas.
A criança, que até então permanecera quieta, olhou para Rafael com uma expressão serena e disse:
— Você tem bastante horas.
Confuso, Rafael desligou o celular e se virou para a mãe do menino.
— Por que ele disse isso? — perguntou, intrigado.
A mulher sorriu tristemente antes de responder:
— Ele tem menos horas que você... Meu filho tem um câncer agressivo e estamos pegando um ônibus para o hospital. Ele vai começar o tratamento paliativo, porque... bem, o diagnóstico é terminal.
Rafael ficou sem palavras. Sentiu um nó na garganta ao perceber o peso daquela revelação. De repente, todos os seus problemas pareceram insignificantes. Ele olhou para o menino novamente, que agora brincava distraidamente com uma pequena bola de borracha em seu colo, ainda sorrindo. Rafael se sentou ao lado da mãe, incapaz de ignorar o impacto das palavras da criança. Ele finalmente compreendeu que o terminal onde estava, com todo o seu caos e urgência, era apenas uma metáfora para a jornada de todos — cada um em seu próprio tempo, com suas próprias lutas.
— Obrigado por me lembrar o que é realmente importante — disse Rafael, mais para si mesmo do que para a mãe e o menino.
Foi no terminal, por causa de uma condição terminal, que Rafael refletiu profundamente sobre a vida e sua ansiedade. Ele pegou sua mochila e se levantou, com uma nova perspectiva. Sabia que sua vida seguiria em frente, mas naquele momento, ali, no terminal, ele aprendeu que o verdadeiro valor do tempo não está em quanto dele temos, mas em como escolhemos vivê-lo.