Crista conhece o teatro

(cena de um romance que estou produzindo)

Crista passou pelas portas do teatro ligeiramente impressionada com o que encontrou. Apesar da construção de aparência antiga, era um prédio muito bem cuidado. As portas eram altas e feitas de madeira maciça, com um aspecto arredondado, que fazia parecer que passávamos por um arco. Por dentro, havia dois corredores que, tanto levavam para salas anexas, quanto desembocavam na sala principal: vários assentos virados para um grande palco, que parecia ocupar metade de todo ambiente. Era lindo e passava uma sensação de casa. Tudo era familiar e ao mesmo tempo diferente, pois, mesmo morando nessa cidade há quase 6 anos, ela nunca havia estado ali.

Devagar, ela se aproximou da pequena multidão de pessoas na frente que estavam sentadas no palco em círculo e sentou-se algumas fileiras de distância, tentando ao máximo não ser vista. Observou aquelas pessoas em silêncio, pensando se valia a pena ou não se aproximar.

—Vejo a vida passar num instante, será tempo o bastante que tenho pra viver?— alguém da roda começou; era um trecho de uma música do Emicida que ela adorava. De longe, não era possível ver o rosto da pessoa, mas sua voz era calma e concisa, falava como se estivesse conversando consigo mesma, fazendo um auto questionamento.

Crista se permitiu divagar naquela pequena improvisação à sua frente. Ela mal chegou a perceber as vozes e as pessoas, que iam trocando aos poucos e se levantando, cada trecho que se passava, outro interpretava; pessoas diferentes e uma mesma mensagem.

—Porque eu descobri…o segredo que me faz humano. Já não está mais perdido o elo. O AMOR é o segredo de tudo e eu pinto tudo…em amarelo—o último verso soou em seu ouvido e ela sentiu algo em seu peito que não conseguia sequer pensar em sentir fazia bastante tempo.

Ela quis se aproximar daquelas pessoas.

Conhecê-las.

Mas, ao mesmo tempo, queria continuar invisível naquele assento em que ela estava.

—Olá, senhorita. Quem seria você?— ela ouviu uma voz ao seu lado, despertando-a de seu pequeno transe. Era uma voz imponente, porém, de alguma forma, suave. Ela olhou para o lado e reconheceu o garoto da biblioteca. Quando ele tinha ido parar ali do seu lado? Ele já estava ali? Ela não sabia dizer. Ele continuava a observando, talvez esperando a resposta, talvez a analisando, como ela própria fizera anteriormente na escola.

—Me chamo Crista—disse ela levemente hesitante. Ele sorriu e ergueu sua mão para um cumprimento.

—Pois bem, muito prazer, Crista! Você gostaria de ir lá pra frente? Nós estamos fazendo improvisações e agora é a minha vez de escolher o texto. Eu, particularmente, queria escolher “The old astronomer to his pupil”, mas muita gente não conhece e acho que não vão gostar da tradução que eu fiz, ainda estou aprendendo como trazer a essência completa de um texto em outra língua para o portugues. Perguntei pro Paulo antes de vir pra cá e acabei deixando em casa. Uma pena, sou apaixonado por esse poema. Então, eu vou escolher “Poema em linha reta” do Fernando Pessoa, porque, apesar de ser um texto meio dramático, é divertido de interpretar e todo mundo conhece melhor—ele falou em uma respiração, tão rápido quanto parecia conseguir. Era muito diferente daquele garoto resignado, silencioso e metódico que ela enxergou na escola. Aqui, ele parecia mais vivo, relaxado, ele? Isso, ela não sabia afirmar— você vem?—disse, parecendo lembrar do motivo de estar ao meu lado, a princípio.

—Você não me disse seu nome— afirmou, apesar de se lembrar perfeitamente dele na biblioteca.

—João Marcos— ergueu a mão novamente, mas, ao invés de somente apertá-la como fez da primeira vez, ele, já em pé, a puxou para fora de seu assento como se tivesse decidido que, a partir daquele momento, ela já era parte da turma.

Ambos seguiram para o palco juntos.

João, com aquele mesmo sorriso bobo e convidativo no rosto

E Crista, que sentia-se relaxar, se permitiu caminhar com tranquilidade por um momento.

Debora B Ribeiro
Enviado por Debora B Ribeiro em 22/08/2024
Código do texto: T8134894
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