Estorvo

22.08.24

548

Ele se agachou tremulo e inseguro junto a uma lixeira suspensa no corredor de acesso ao metrô. Um senhor de cabelos e bigodes fartos e brancos, mais velho que eu, talvez nos seus oitenta e tantos anos. Preocupou-me, poderia estar tendo um ataque cardíaco ou mau estar súbito. Fui a ele:

-O senhor está se sentindo bem? - perguntei-lhe agachando-me também.

Amarrava o sapato direito com seus gestos lentos e tremular das mãos. Demorou um pouco para concluir o nó. Depois, respondeu-me com voz rouca e fraca:

-Sim, estou bem! Mas é difícil de se agachar para fazer um simples ato de amarrar os sapatos, e depois levantar, não? – alçando seu tronco com seu rosto magro e olhando-me com pálidos olhos negros e um fraco sorriso nos lábios.

Ele me estendeu sua mão direita ainda agachado, pedindo-me:

-Pode, por favor, me ajudar a me levantar? É o pior! As pernas fracas e a falta de equilíbrio podem me fazer cair. Por favor?

Peguei sua mão esquelética e fria e o icei com cuidado. Ele se aprumou, e ainda sorrindo, disse-me:

-Obrigado meu amigo pela gentileza e atenção. São poucas as pessoas que nos ajudam. Às vezes, me sinto como um estorvo, pelo olhar de reprovação que me dão, pois ando devagar, demoro para passar a catraca, embarcar, enfim tudo com muita calma e idade, não é mesmo? Parece que não podemos envelhecer. Mas vamos em frente. Até logo!

-Não quer que o acompanhe?

-Não meu amigo, estou bem, fique tranquilo. Um ótimo fim de noite para você.

Ele seguiu em direção ao embarque com andar arrastado e silhueta encurvada pelos muitos anos vividos. O peso da idade!

Acompanhei-o descer e sumir pela escada rolante.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 22/08/2024
Reeditado em 23/08/2024
Código do texto: T8134776
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.