O homem que sequestrou um manequim
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 20 de agosto de 2024
Era já final de tarde, escurecia. Ao passar por uma loja, com suas portas já semicerradas, avistou um manequim parecido com a sua ex-mulher, que o havia abandonado, há mais de três anos. Parou, ficou ali por vários minutos apreciando e relembrando a beleza daquela que fora seu único amor. Lágrimas rolaram pelo seu rosto já bastante sofrido. Tentou disfarçar, sem êxito.
Sentou-se no chão, ao lado da porta semiaberta, e pôs a lamentar-se.
─ Por que fui tão cruel com ela, já que a amava muito? Ninguém respondia, isso o inquietava mais ainda.
Tinha sido um homem rico, bem-sucedido na sociedade local, mas era arrogante, prepotente e maltratava a esposa, sentia ciúmes de sua beleza, dos homens que não tiravam os olhos dela, quando em passeio pelas ruas. Ele não tolerava quando isso acontecia, os maus-tratos aconteciam, empurrões, socos e tapas, algumas vezes, hospital.
Angustiado, tentava esquecer tudo aquilo, mas as lembranças não o deixavam em paz. Passou a beber exageradamente. Perdeu o controle da vida, perdeu tudo. Restou apenas a bela casa, herdada de sua família, localizada em lugar afastado do burburinho da cidade grande, mas resiste em nela morar, hoje bastante deteriorada pelo abandono.
Os minutos passavam rapidamente, ao levantar a cabeça, percebeu que quase ninguém transitava por ali. A maioria das lojas já estava com suas portas fechadas. Era só esperar mais um pouco. Quase todas as lojas à sua frente procederam da mesma maneira no apagar de suas luzes, primeiro as do fundo, depois, aparece o responsável para fechar a loja, encaminhando-se até o quadro principal, aciona o interruptor geral, deixando todo o interior do estabelecimento comercial às escuras, restando apenas duas lâmpadas, que são apagadas pelo lado de fora.
A loja que Augusto espionava ficara sem a presença do vigia por mais tempo que os outros, sem ninguém por perto. Nesse momento, o homem que ainda chorava copiosamente, teve uma ideia, sequestrar aquele manequim que pedia para ser levado dali. Rapidamente entrou na loja, pegou o objeto de seu desejo e saiu às pressas. Cobriu-a com a caixa de papelão que usava como cobertor ao dormir nas calçadas das imediações. Saiu de mansinho, olhando de um lado para o outro, tentando não levantar suspeita.
Bem-sucedido em sua empreitada, seguiu caminho, verificando se tinha alguém o seguindo. Andou alguns quilômetros, alcançou uma estrada revestida com péssimo asfalto, ficando claro para ele que há muito tempo ninguém andava por ali. Andou mais dez quilômetros, inicialmente entre vegetação baixa, e, depois, entre árvores altas, e sobre piso de piçarra batido, infestado de ervas daninhas. Nada daquele ambiente lhe era estranho, vivera por muito tempo por aquelas bandas, em companhia de seus pais e irmãos, depois com sua bela esposa, até o fatídico dia em que ela o abandonara definitivamente, sem comunicar seu paradeiro.
Cansado do percurso já andado, o manequim pesava mais de 5 kg, seus braços doíam muito, ele encontrava-se fraco, passava alguns dias sem comer, só na cachaça. Naquele dia estivera sóbrio, já que pretendia fazer o que agora estava concluindo, trazer sua esposa de volta para casa, onde por três anos fora bastante feliz. Um sorriso apareceu em seus lábios, sabia que faltava pouco para o fim daquela odisseia.
Encontrou a porta aberta, cuidadosamente entrou, tudo ao seu derredor era só sujeira, quase nenhum móvel, os que ficaram estavam quebrados. Os inteiros eram bastante pesados e difíceis de serem carregados. Muita poeira, faltava algumas janelas. Não se deu conta de que o tempo passara, a casa fora invadida e saqueada, não havia ficado ninguém para vigiá-la. Falou alto para ser ouvido:
─ Terei muito trabalho pela frente, mas isso não será problema, sou ainda forte. Em pouco tempo colocarei tudo no lugar, para voltar a ser feliz – completou.
Encaminhou-se para o quarto do casal, encontrou a cama, muito pesada, sem colchão, uma cadeira de braços e um guarda-roupa fixo na parede, ainda intacto. Abriu-o, e teve uma surpresa boa, nada ali fora tocado, os vestidos, só empoeirados, sapatos, e demais peças do vestuário daquela a quem ele não soubera amar. Havia, também, roupas de cama, toalhas de banho e outros utensílios do casal. As suas antigas roupas também estavam lá.
Limpou o ambiente e para maior conforto da amada, arrumou a cama com a mais bonita colcha, pegou um lençol branco, colocou o manequim sobre o lençol, deitou-se ao seu lado, abraçou-a, beijou-a, fez-lhe carinho e, bastante cansado, dormiu. Não mais acordou!