O véu - Final

Encontram-se frente a frente, Irmã Branca e Teresa. Uma natural empatia aproxima-as. A moça não sabe bem como começar, hesita.

- Que é que há, Teresa?

- Uma ideia, irmã, está me perturbando, já faz um tempo. Uma ideia...

Um longo silêncio se faz. A interlocutora, com a curiosidade aguçada:

- Que ideia é essa?

- Quero ser freira.

Diante da irmã, aparece uma figurinha de dez anos: "Freira, nunca." A figurinha de dez anos tomava a forma, agora, de uma mulher ansiosa, que mordiscava os cantos das unhas.

- Desde quando tens pensado nisso?

- Há muito tempo busco um sentido para a minha vida. Queria algo mais, algo difícil, em que pudesse me dar inteira, compreende?

Teresa parecia continuar uma conversa que já tivera muitas vezes consigo mesma.

- É como se uma voz me chamasse do fundo, muito do fundo. Gostaria de me entregar a esse chamado, me esquecer de mim mesma, mas... eu resisto. Não sei se tudo isso é uma fuga.

A irmã pensa em voz alta:

- Tu estás triste. Quem sabe o trabalho na comunidade...

- Gosto de trabalhar lá, eu me sinto útil. Gosto também de estar com as crianças. Mas, é como se eu precisasse fazer mais. A senhora não sabe como isso me angustia.

- Se tu estás sendo chamada por Deus, vais contar com Sua ajuda. É uma vida que pode trazer muita paz, mas exige muito de nós.

Pausa. A irmã lembra-se de um pormenor:

- E o rapaz?

- Terminamos.

- Tu estás magoada?

- Um pouco, mas não é isso. Estou cheia de dúvidas. Muitas dúvidas, irmã.

A conselheira abre um sorriso bondoso:

- Compreendo, Teresa. Só tenho um conselho a te dar: vai para casa, procura ficar tranquila. Reza e pede a Deus que te ilumine. Se Ele está te chamando, vai te proporcionar as condições para que consigas segui-lo. Deus quer a nossa felicidade, minha filha.

- Rezo sempre, irmã, e continuo confusa.

- Tu gostarias que alguém resolvesse isso por ti.

Teresa não esconde a impaciência.

- Pensei que a senhora fosse me dar apoio.

A outra pensa, repensa, fala medindo as palavras:

- Eu te conheço há muitos anos. A impressão que eu tenho, é que tu sempre exigiste muito de ti. Desconfio que, assim, não possas te sentir bem como irmã, ou em qualquer outro caminho. Desde pequena, tu sempre quiseste o máximo. Te lembras do piano? Quando descobriste que não podias ser a melhor, paraste de tocar. É isto, minha filha, o que posso ver: uma responsabilidade que se acumulou ao longo de todos esses anos.

A jovem paralisa, toda ela recebendo aquele conteúdo inesperado.

- Estou te dizendo o que penso. Mas, quem sou eu? Aconselho duas coisas: procurar um padre e um psicólogo Um padre poderá ver o que há de concreto em tua vocação. Um psicólogo vai tratar de antigos problemas. Ah, e a tua família?

- Não disse nada em casa.

Tempo para reflexão. A freira leva as mãos ao rosto, cansada. Teresa declara, então, de uma só vez:

- Irmã, preciso confessar-lhe: sou muito egoísta. Não, não diga nada. Sou uma pessoa egoísta. Talvez seja por isso que me sinta obrigada a ser freira. Mas, não sei se seria capaz de abandonar tudo pelo convento. Talvez nunca o faça.

Irmã Branca pensou em falar-lhe de sua experiência, de quanto se sentia gratificada, apesar de todos os lances difíceis. Decidiu deixar para outra ocasião. Disse apenas:

- Tu precisas de luz, para ver claro dentro de ti.

- A senhora tem razão. Obrigada, irmã. Posso voltar outro dia?

- Sempre que quiseres.

A jovem despede-se. Antes de fechar a porta, sorri levemente. A irmã acredita vislumbrar no fundo de seus olhos uma ponta de esperança. Devagar, dirige-se para a capela. Quanto a Teresa, sente-se aliviada por saber que conseguiu colocar para fora o seu segredo. Não está mais só.