UM PARAÍSO TURÍSTICO
Essa história tem como pano de fundo a pitoresca e preservada cidade de Mucugê, localizada na imponente Chapada Diamantina, interior baiano a quase mil metros de altitude, o que lhe confere um clima subtropical, ainda que localizada na latitude 13.
Mucugêlo, para seus moradores, devido às baixas temperaturas, que associadas aos ventos que lá sopram, propicia temperaturas típicas do extremo sul brasileiro.
Quando você entra na parte histórica, não há como negar aquela sensação de tranquilidade pairando no ar, e se materializa nas duas principais artérias locais, ambas cobertas com o piso pé de moleque e permeadas por construções de um único andar, coloridas e em bom estado de conservação, e que se conformam segundo um V maiúsculo, emoldurada por duas igrejas católicas.
Mas nem tudo são flores neste recanto peculiar, com sua economia calcada no setor primário, ênfase para a batata dita inglesa, café gourmet, cebola, alho, frutas vermelhas e a novidade mais recente a uva, que, aliás, é o nome da vinícola de excelência instalada na região.
Nosso personagem principal nessa história é o Josenildo, servidor público municipal, 40 anos, casado, dois filhos e residente num conjunto habitacional levantado pela prefeitura há dez anos, que oferece moradia digna a seu corpo de funcionários.
Encontrei Josenildo varrendo a praça principal, bem em frente à agência do Banco do Brasil. Angustiado, me revelou a razão, aliás, um problema que aflige todo morador não vinculado ao turismo, o aumento generalizado do custo de vida na cidade, fruto do agora quase ininterrupto fluxo de turistas.
Antes desse boom turístico, o preço de alimentos, medicamentos e serviços cabiam nos reduzidos salários oferecidos pelo mercado, independente do setor, assim tanto no público, como no privado, o rendimento médio passava em pouco o salário mínimo nacional.
O primeiro segmento a majorar seus preços foi o hoteleiro, logo seguido pelos ainda incipientes restaurantes locais. Depois vieram os serviços, influenciados diretamente pelas diárias de hotéis e pousadas. Por fim, a inflação local contagiou genericamente produtos de supermercado.
Fiquei impressionado com o valor do quilo no self-service onde almocei no primeiro dia, alto até para o padrão carioca. Na pousada, onde me instalei com o grupo, aconteceu outra surpresa estranha. Veja você, que a proprietária do estabelecimento se negou a completar meu cantil de água, sob a esfarrapada desculpa de que a água da pousada era mineral.
Mas foi no caixa do supermercado, onde comprei três garrafas de água mineral, que ouvi da funcionária a mesma reclamação do servidor público. No caso dela, a situação era ainda mais grave, pois locatária recebeu da proprietária do imóvel a notícia de reajuste no valor, que passaria agora para mil reais, isso para um simplório puxadinho de quarto e sala.
A única parcela da população, e não por acaso, a mais numerosa, foi a que se prejudicou com esse fato, não conseguindo apropriar nada a seu favor. Quem não teve a oportunidade de morar em imóvel próprio, realmente convive com ônus maior, e sabiamente tem migrado para Vitória da Conquista, cidade grande sempre demandando mão de obra, independente de especializado ou não.
Mesmo proprietários, devido à super valorização dos imóveis no centro histórico, estão sendo pressionados a vendê-los, nessas áreas tanto pousadas, como imóveis comerciais vivenciam um boom sem precedentes na história local.
Grandes empreendimentos do agronegócio, cada vez menos utilizam da mão de obra desqualificada, preferindo a mecanização, onde um operador de máquina, claro que com salário compatível ao veículo que opera, substitui com mais qualidade uma penca de trabalhadores braçais.
Na vinícola da região, também boa parte dos funcionários precisou ser trazida do sul, pois exigências na produção deste refinado produto exige formação longa e especializada.
Um exemplo esdrúxulo dessa relação entre valor do bem produzido e o salário médio do trabalhador local vem da vinícola local, que com apenas seis garrafas do seu rótulo mais econômico, equivalem às tradicionais 160 horas despendidas por num mês de trabalho.
Mucugê se converteu hoje numa cidade basicamente voltada para fora, relegando a boa parte de seus moradores um ostracismo sem data para acabar.