Dilemas fortuitos
Sua noite estava diferente das costumeiras; não ficou se admirando no espelho como de costume, após chegar do trabalho. Estava com a mente entulhada de coisas e não conseguiu se olhar por muito tempo. Evitou a sua imagem refletida, ficando fora da direção do espelho. Para deixar a admiração própria de lado e não ficar se olhando por longos minutos, era necessário que algo não estivesse indo bem. No geral, o básico estava, mas havia questões importantes o incomodando naquele momento: preocupações com o futuro e o rumo de sua vida; saber qual era o seu papel específico nesse mundo; se estava na direção correta para trilhar as veredas divinas; entre outros pontos que implicam em existencialismo. Além de um certo e habitual problema físico que nunca contou para ninguém; mas esse não estava no mesmo lugar que os outros, pois, era parte de sua vida e não implicava nas dúvidas sobre existência.
A fadiga de mais uma jornada em seu trabalho não o permitiria divagar sobre os pensamentos que ocupavam sua mente; e nem que ela não fosse um impeditivo iria querer tentar raciocinar sobre seus conflitos internos. Sabia que o ideal era uma noite de sono com horas contínuas, para colocar tudo em ordem novamente; pois, em seu normal, todas as dúvidas e questões que o abatia naquele momento não eram do seu habitual; mas, por algum motivo, vieram ocasionalmente com o intuito de lhe assombrar. Talvez o testando, para contrastar com o objetivismo que lhe pertence, sabendo ou acreditando ter resposta para qualquer dilema que apareça em sua vida; ou talvez, principalmente, para lhe lembrar que é um ser humano, e que mesmo com um psicológico preparado para todas as questões rotineiras, será normal esmorecer em alguma ocasião, quando haver questionamentos não habituais; situações que o levará ao único que o consolará, mostrando que bastará a confiança para prosseguir, mesmo sem saber quais caminhos seguir, e ainda que não saiba respostas de determinadas perguntas.
Sabe que uma madrugada desse modo é atípica e, quando acordar pela manhã, estará livre das incertezas incômodas que foram sua companheira sem que desejasse. Não vai se importar e talvez nem lembrar do que lhe importunou por algumas horas, porque voltará ao seu estado normal, de mente forte e resolvida, sabedor dos entraves da vida e compreensível para com aquilo que não pode entender. Com a resolução interna, naturalmente sua imagem lhe será atrativa como sempre ao se olhar no espelho, voltando consequentemente o prazer que possui ao admirar sua aparência e também tudo aquilo que é além dela.