ANIVERSÁRIO

Dia de acordar cedo, de pôr o seu uniforme e passear na rua. Está animado. Sabe que, se tudo der certo, hoje tem. Espera ansioso, é a sua data, é especial. Para ele, é dia de festa. À noite, quase não dormiu. Deitou-se tarde, conversando fiado, como sempre. Gosta disso: animosidades gerais, futebol e novela. Fofoca? Diz que não, mas sempre.

Depois do papinho furado, pijama e cama. Lá, de um lado para o outro. Frango de padaria girando no espeto, é o que ele é. Por fim, como é de se esperar, fica olhando o teto, todo branco, luminária amarelada, velha como o dono. De novo, encontra a rachadura no gesso, nela, fixa a vista, o pensamento e apaga. Acorda obrigatoriamente duas vezes: da primeira, de pantufas, vai ao banheiro, do retorno, em exata hora e meia, levanta.

Todo serelepe, sabe que vai vadiar. A roupinha passada, um brinco, deixou disposta na cadeira, que só encontrará seu corpo depois de um longo banho quente, de uma navalha afiada amaciar o seu velho rosto. Bermuda curta, camisa nova do Flamengo, sapato branco. Volta a ser menino de novo. Aquele relógio de fundo verde, companheiro de uma vida, sua inseparável corrente de prata, o boné da marinha. Ontem, no auge dos setenta e nove anos, hoje, um jovem senhor de oitenta.

Houve um tempo em que foi casado, exatos quarenta anos, os piores de sua vida. — Ainda bem que passou! Morreu a coitada. Há dez anos celebra o novo estado civil: viúvo. Pipa avoada, soltinho no mundo. Os filhos, um casal, cascudos já, alcançando a melhor idade, provendo a ele uma infinidade de netos, bisnetos e afins.

Antes de se meter na rua, compromissos a cumprir: cuidar do curió, do cachorro, do galo. A cada um trato, um ritual diferente. Todos exigem ao máximo sua parcela de atenção. O curió quer assopro, comida, água fresca e voltar para o pano; o cachorro não se importa com comida, quer carinho, lamber, pular em cima; o galo, máquina mortífera, sempre enjaulado, se pudesse, mataria o dono. O velho não faz por menos, ameaça com panela, fazer canja com as canelas secas do indiano. Tudo mentira. Ama seu crista caída. Lembrança viva de seus tempos de rinha, juventude.

Depois do trato, o rumo. Soprando o vento, cumprimenta todo mundo, balançando com suas pernas arqueadas, segue em frente, caça certinho o caminho do bar, sabe de cor. Chegando, está em casa: dominó, mesa redonda, traçado, varejo, cerveja, churrasco de gato. Amigos de sempre, os que restaram, alguns sossegaram o facho, outros foram de ralo. Para estes, chegaram outros, ocuparam o espaço.

Ninguém sabe seu nome, não o de batismo, nesta vida, sempre foi o Didico. Sua idade, outra coisa que não diz respeito a ninguém. — Velho Didico não está aqui para compartilhar informação com ninguém! Cercado de amigos, come, bebe, joga, ri, se diverte. Seu aniversário secreto, segredo, sagrado que não interessa a ninguém contar.

Luiz RRosa
Enviado por Luiz RRosa em 31/07/2024
Código do texto: T8119259
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