O fanático
Ele era um bom homem, apesar de ser um brasileiro fanático por futebol. No caso do Mané (apelido bem sugestivo dado pelos amigos), poderia ser considerado uma patologia, daquelas dignas de serem estudadas por uma junta médica.
Tudo o que dizia respeito ao seu time ele sabia. Sua casa era repleta de artefatos e todo o tipo de bugigangas que se pudesse imaginar e colecionar. E ai daquele que ousasse tocá-las. Assistia a todas as partidas, na tv ou nos estádios, acompanhava as entrevistas, os comentaristas, a vida pessoal dos jogadores. Não havia prioridade para ele que não fosse o time.
O amor dele já tinha virado uma obsessão. Todos falavam que ele precisava procurar ajuda de um psicólogo ou acabaria numa camisa de força. Atendendo ao pedido de sua mãe, Mané bem que tentou, mas sem sucesso. Falava tanto de futebol durante as sessões que o psicólogo acabou mudando de profissão. Tornou-se torcedor do time do Mané e diziam que virou um jogador até razoável.
Mané não media esforços para ver seu time jogar. Certa vez sumiu por cinco dias e sua mulher, Neuza, teve que chamar a polícia. Quando voltou, descobriram que ele havia ido de carona pra outro estado pra ver uma final. Foi assaltado, espancado, passou fome, mas valera a pena, pois assistira à vitória do seu time.
Nove meses depois seu filho mais novo nasceu e ele não estava presente. Conheceu a criança depois da partida do campeonato em que seu time havia perdido, e quando a pegou no colo só chorava, mas o motivo não era o rebento. Diziam as más línguas que o filho era fruto daquele sumiço de cinco dias do Mané.
Emprego fixo ele não tinha, pois, quando não faltava para ver as partidas, era pego com o rádio na mão. Chegava a vender objetos da família pra comprar ingressos. A vizinha jurava que o vira negociando o papagaio do sogro no mercado. Um dia, no culto da igreja, quando o pastor perguntou o que os fiéis precisavam fazer pra agradar ao Senhor, ele, com o rádio escondido na manga da camisa, soltou um grito de gol. Foi um despautério! Convidaram-no a se retirar.
Ele não tinha roupas que não fossem uniformes de futebol. Num final de campeonato brasileiro entrou numa briga depois do jogo: Perdeu um dente, quebrou duas costelas e fraturou o dedão, sem falar que rasgaram sua mais nova camisa oficial.
Quando sua filha mais velha marcou o casamento foi logo dizendo:
─ Pai, você vai me levar ao altar, né?
Ele disse que sim, mas não convenceu ninguém. No dia da cerimônia ele estava mais atrasado que a noiva. Ainda bem que escalaram o tio Bento como reserva.
No dia em que seu neto nasceu foi uma felicidade. Ele tentou convencer a filha a registrá-lo com o nome e sobrenome do craque do time. Seu genro nunca mais falou com ele desde então. Nada, porém, entristeceu mais o Mané do que a morte de sua mãe. Como ela pôde falecer no dia de uma partida importante? Tentou adiar o enterro sob protestos acalorados dos parentes, mas, nesse dia não teve sucesso.
Com o tempo e tanta emoção Mané ficou doente, coração fraco. O médico foi enfático:
─ Nada de emoções fortes!
Ele se esforçou, mas não adiantou. Mané morreu enrolado na bandeira do time.
Quando chegou às portas do céu foi uma confusão:
─ Que absurdo! Nunca imaginei que passaria por tamanho constrangimento ─ gritava Mané.
Aquilo era um castigo inadmissível. Mandou chamar os responsáveis pelo local, tentou negociar sem êxito. Quando viu que não tinha mais jeito ele se recusou a entrar:
─ Podem me mandar para o inferno que eu vou de bom grado. Jamais vou passar a eternidade em um lugar com as cores do time adversário.