Lealdade
Certa noite estávamos eu e meu afilhado no cais vendo os navios de pesca adentrarem ao mar, tendo por guia a luz do farol. O menino de sete anos de repente me perguntou -"O que é lealdade?" - mantendo os olhos curiosos.
Enquanto descascava maçãs e dava pequenos pedaços para ele, parei por um instante e pensei. Então disse:
- Está vendo aqueles barcos lá longe?
O menino assentiu com a cabeça.
- Porque eles não se perdem? Porque não naufragam na escuridão?
- Por causa da luz do farol, ela mostra a eles o caminho!
- Justamente. Lealdade é quando, mesmo que a pessoa que opera o farol e o barqueiro briguem, a luz continue iluminando o caminho do barco.
- Então, mesmo chateado com o barqueiro o cara do farol tem que deixar a luz acesa?
- Isso mesmo. Isso é lealdade. Estar chateado, mas cumprir sua palavra.
- E se o barqueiro falar mal dele para os outros, já que brigaram?
- Desleal será o barqueiro, e pior, será também ingrato. Mas o operador do farol não tem nada a ver com o caráter do barqueiro, só com o seu próprio.
- Não é fácil ser leal quando se está chateado.
- Sim, não é. Mas é nesse momento que se prova o verdadeiro valor.
- A maioria das pessoas não tem lealdade e nem gratidão.
- Sim, meu pequeno aprendiz. A maioria das pessoas escolhe o que é mais fácil.
- Mas é errado. Se o cara do farol for responder do mesmo jeito, ele apaga a luz. - disse o guri com os olhos arregalados e assustado.
- Sim, é verdade. E aí o que aconteceria se ele apagasse a luz?
- O barco se perderia ou poderia afundar batendo em alguma pedra ou outro barco. E todas as pessoas dentro dele sofreriam.
- Pois é. Ainda bem que o operador do farol não é rancoroso e mantém a luz acesa, mesmo chateado.
- Ele é leal. Mesmo que o outro seja ingrato.
- É isso, meu pequeno sábio.
E assim, continuei descascando mais umas três maçãs e entregando-a aos pedaços ao menino que parecia ter descoberto ali um grande ensinamento para a vida.
Ele ainda viveria muitas estações pela frente, encontraria muitas pessoas desleais e ingratas. Eu só esperava que daquela conversa a semente da lealdade houvesse brotado no seu pequeno coração e lá fincasse raízes para a vida toda.
Quem é leal, jamais será ingrato.