Ada e a solidão da velhice

A mulher se levantou aos poucos, como se as pernas se tornassem mais pesadas a cada dia. Olhou o quarto ao redor para se acostumar à penumbra delicada do amanhecer, espreguiçou-se com dificuldades. A idade pesava, doíam os ossos. A idade lhe deixara a solidão, a única herança. Foi arrastando os chinelos até o banheiro. O silêncio morava com ela. Deus a acompanhava, ele não falava, não dizia nada. O som das rezas a seguia como um mantra sagrado desde a infância quando cantava no coral da igreja. ”Todos amavam a minha voz”. Sentou-se no vaso para as necessidades matinais, custou a levantar-se. Parecia que tudo diminuirá. Agarrou-se abancada de ferro que o filho mais velho colocara ali, logo após a morte do marido. Chegou perto do espelhinho gasto do armário, mirou as faces derretidas e marcadas, parecia um mapa surrado de caminhoneiro. Não, não era a melhor idade. Doía a perda do rosto liso, dos cabelos fartos, pretos e cacheados

Ada passara a vida sendo religiosa, acreditava neste Deus que hoje a deixará numa casa deserta. “Talvez fosse um castigo pelos filhos que fizera ir embora com chás e agulhas de crochês”. Saiu do banheiro, andou até a sala, quando alguém bateu no portão. “É o Oswaldo, tem que ser ele, tanto tempo que não o vejo”. Quase escorrega. ”Maldita faxineira passou cera demais de novo”.Enruga a testa, logo se arrepende e faz o sinal da cruz. Não tem ninguém no portão, somente uns moleques correndo e brincando na rua. “Detesto essas crianças”! Benzeu-se pedindo perdão a Deus mentalmente.

Sentou-se no sofá, passou as mãos nos cabelos curtos, um velho hábito de quem possuía cabelos longos, agora bem loiros para disfarçar os fios brancos. Ela lembrou dos cabelos compridos e escuros da filha caçula,sacudiu a cabeça com força e levantou os olhos para cima. Dirigiu-se para cozinha para preparar o café da manhã. “Talvez Oswaldo venha hoje”. Oswaldo, alegrava-a, ele era a imagem do pai, os mesmos cabelos lisos, loiros e os olhos verdes marcados por cílios escuros, amava aquele filho. Já as filhas a desgostavam, sempre com as ideias de que ela viveria melhor em casas de velhos. Sentiu uma doce saudade do marido, Rubens morrera há quinze anos, pelo menos não a veria assim, decrépita e murcha contando trocados. Foi melhor ele ter ido quando ainda era cheia de carnes, viçosa, e não, nessa vida feita da esperas intermináveis dos filhos. Mesmo não os querendo na sua vida, eram o seu único consolo na casa abandonada.

Marisa Piedras ( 13/04/2022)

Marisa Piedras
Enviado por Marisa Piedras em 26/07/2024
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