A esperança

Claudina acordou mal humorada, o que por sinal não era novidade. Não para as empregadas que lhes sofriam os ataques, os destemperos.

- Vixi Maria! Que a dona Claudina hoje está com a macaca! – disse Firmina, cozinheira, a Detinha, copeira da casa.

- Hoje? – retrucou Detinha, com ironia – eu inda num vi dia que ela num tivesse cá’peste, Dona Firmina.

Lá de longe, vinha a voz esganiçada de Claudina, que berrava por Detinha.

- Oh, Detinha! Venha cá moleca preguiçosa. Faz meia hora que lhe grito...

- Inhora? É que eu tava lá dentro arrumando as camas...

- Olha o canteiro das rosas chá, como está seco. Agoe logo, se minha rosa chá morrer você está num jirau...

Claudina estava muito enraivada sim. Também, e não era para estar? Completaria em breve quarenta e oito anos, idade em que a maioria dos sonhos está fanada e a esperança de arrumar marido há muito já se foi.

Vitalina, essa era a sentença fatal, a palavra odiada, por que naquela cidade pequena, naquele Murici estuporado, aonde o progresso chegava com uma enervante mansidão e nunca se fixava de todo, ficar vitalina era o mesmo que carregar estigma vergonhoso, atestado de incompetência.

Se estivesse em Maceió seria diferente, mas ali...Se começasse a fazer o que desse na telha era bem capaz de perder a convivência com as famílias. Se ainda fosse moça nova, se ainda não houvesse sido criada com tantos pudores, princípios e rigidez! Filha mais velha de seu pai ainda vivo, experimentou-lhe diversas vezes a cinta, cada vez que se atrevia a namorar.

Agora a vida era isso, aposentada da municipalidade onde fora durante longos e sofridos trinta anos, professora, supervisora e por fim diretora do grupo escolar da cidade, e bordar, divinamente, enxovais pra fora, com pontos de fada.

Destemperava-se com facilidade, o que tirava a paciência eram as empregadas e os sobrinhos. Bons trastes, saídos ao pai, marido da irmã mais nova, que após arrumar um bucho, casou-se com aquele diabo-do-sem-préstimos!

E por não ter onde cair morta, Zilda foi se alocar na antiga casa dos pais, onde agora Claudina vivia só, após a morte dos dois. Chegou muito chorosa.

- Claudina, minha irmã, pelo amor que você tem a Deus, nos acolha! O Ednaldo perdeu o emprego, nós estamos no olho da rua com esses dois meninos, deixe a gente ficar uns tempos.

Na ocasião Claudina tinha vinte e oito anos, era simpática, pensava que se casaria. Teve pena da irmã, deixou que ficassem. Mas o diabo do cunhado só tinha mesmo competência pra fazer menino, nunca mais arrumou emprego que prestasse, nem nunca mais procurou. Foi ficando, enchendo a casa de filhos, um por ano, teve ano que foram dois. Até que Claudina, vendo que dali não saia mais que um menino por ano, tratou de arrumar operação para a irmã. O cunhado danou-se!

- Não senhora, não opera nada. Mulher operada fica doente, fria! Se ela operar eu não me responsabilizo...

A idiota da irmã chorava como condenada.

- Ai, Claudina, se o Ednaldo me largar eu me mato!

Mas foi Claudina quem deu a última palavra.

- O senhor, em primeiro lugar, nunca se responsabilizou, nesta casa, por merda nenhuma! – disse fria – E depois, se quiser ficar aqui com essa tropa, tem que operar. Caso contrário vão procurar onde se meter.

Argumento definitivo, Claudina ganhou a parada.

Sentada agora no alpendre da velha casa, observa Detinha, a copeira, bichinha "esprivitada e sibite", passar de mansinho para o fundo do quintal.

- Essa peste estará roubando? – pensou Claudina indignada, e pés de gato, partiu atrás da moleca.

Ao aproximar-se da moita de bananeiras do quintal ouviu vozes abafadas, risotas, barulhos suspeitos. Reconheceu a voz do cunhado e a risadinha cínica da copeira.

Deixou que se instalassem e relaxassem a vigilância, aí apareceu de supetão.

Calças abertas, deixando o sexo à mostra em estado de ânimo, Ednaldo segurava o seio da moleca enquanto esta lhe empunhava o instrumento. E foi nesta posição congelada que Claudina os achou.

Ednaldo ainda tentou explicar. Detinha na mesma hora partiu para arrumar as trouxas. Ednaldo, a partir deste dia, perdeu o pouco de moral que ainda conservava, e Zilda começou a fazer doces e salgados pra fora, para ajudar nas despesas da casa que, agora ela reconhecia, eram muito altas.

Claudina continua abordar enxovais para fora, crianças de famílias ricas usam cueiros com seus pontos divinos, jovens noivas casam-se usando em seus corpos a arte de Claudina. Mas para Claudina, a esperança, bicho-verde-arisco, já voou há muito tempo.