Das experiências cruéis e da fatalidade.
O policial não escondia o riso, a cara de deboche, preenchendo o formulário. O gerente do motel tinha a cara fechada, consternada. Tanto motel na cidade e o infeliz resolvera morrer logo no seu estabelecimento, para dar nessa xaropada de polícia. Graças a Deus nenhum repórter aparecera senão ele é quem teria que dar boas explicações ao proprietário.
O policial prosseguia no inquérito.
- A quanto tempo a senhorita conhecia o morto?
- Faz um mês, mais ou menos – respondeu com o pânico estampado no rosto bonito.
- E a senhorita mantinha, então um caso com ele? Ele a sustentava?
- Não! – respondeu a moça entre a indignação e o medo - eu trabalho, estudo, vivo com minha família! Tenho namorado!
- Ah! – tornou o policial, dividido entre o dever e a especulação – e quantas vezes esteve com ele em motéis?
- Só essa – disse cabisbaixa, pensando agora no namorado que citara e que antes não viera ao caso – só essa vez...
- Que azar – disse o gerente em voz baixa, porém audível.
A moça bonita olhou para ele. Realmente muito azar o seu! Tanto homem no mundo e ela, logo ela, havia de topar com um cardíaco!
Não era sua culpa! Ele insistira e a perseguira por mais de um mês. Oferecendo cervejas e refrigerantes a ela e as amigas, meio sem jeito, dizendo-se admirador da juventude delas. Saíra com ele só de farra, por que sabia que ele a queria.
O policial prosseguia.
- A senhorita sabia que ele era cardíaco?
- Lógico que não, seu guarda – ofendeu-se – o senhor acha que se eu soubesse teria acontecido isto?
- Eu não acho nada! – disse o policial gravemente – estou fazendo meu trabalho e a senhorita está numa enrascada. A família do morto vai querer explicações e quem vai ter que fornecer estas explicações é você.
A moça baixou a cabecinha loura e as lágrimas correram por seu rosto. O morto era um sujeito legal, apesar de tudo, apesar da idade. Na hora não lhe parecera nada de mais sair, ir a um motel com ele, naquela idade acabaria num instante ou ficaria só nas preliminares. Pensava inclusive que ele não teria ereção, pensava que ele não tivesse mais idade pra essas coisas! Achava que ficaria nua, seria admirada, e só isso.
Mas aí ele deu um gemido, fez uma careta e caiu por sobre ela, que nem havia percebido que ele estava morrendo, nunca havia visto ninguém morrer, achava que ele estava gozando.
O policial tomou seu braço e falou sério.
- Vamos assinar o depoimento na delegacia...
- Mas, policial, minha família, meu namorado! Vai ser um escândalo horrível...
- Sinto muito, mas é a Lei e eu não posso fazer nada. Vamos.
O gerente abriu a porta dos fundos, onde, apesar da discrição que procurou cercar o caso, uma pequena multidão se formava. Uns curiosos, uns divertidos, uns escandalizados. Ninguém com pena, nem dela nem do homem morto. As gargalhadas cruzavam o ar, assim como os dichotes e graçolas.
- Ô belezinha, quando quiser fazer mais um defunto estou as ordens!
- Ei, papa-defunto!
- Olha só a sem vergonha, matou pra ficar com a herança, foi?
- Rapaz! Que buceta perigosa.
Ela escondia o rosto, envergonhada e confusa, sentia agora raiva daquele infeliz. Por que havia morrido logo com ela?
Que ele tinha esposa ela sabia, a marca funda no anular era impossível de não ver. Capaz que tivesse filhos na idade dela, mais velhos talvez! E com tudo isso ficava jogando conversa nas moças para isto, morrer, dando um vexame destes!
Infeliz, era assim que a moça se sentia agora, passado parcialmente o pânico e o escândalo, dava-se conta de toda a loucura e o que antes era medo da presença atemorizante da morte, agora era a preocupação com a família, que ia fazer um escândalo, e com o namorado, que não ia achar graça nenhuma na aventura.
- Meu Deus! – exclamou assustada, com novas lágrimas correndo pelo rosto.
- Que foi, moça? – perguntou o policial que pensava no logo trajeto até a delegacia.
- Seu guarda, eu vou ser presa? – disse ela com os lábios tremendo lindamente.
- Depende da família do defunto – disse ele, sem deixar de reparar na boca que tremia, assustada.
- Mas, seu guarda, eu não tive culpa...
- Olhe – respondeu o policial- eu também acho. Afinal, me desculpe, mas a senhorita é um tremendo avião. O que um velho daqueles podia esperar?
- Eu juro por Deus que não sabia que ele era doente, seu guarda. – disse ela mais consolada com o “tremendo avião” vindo da parte dele - ele insistiu muito pra sair comigo, e eu fui só de farra, só pra ver no que ia dar....
- E deu nisso...
- Pois é, seu guarda.
- Túlio Ribeiro.
- Ahnn?
- Meu nome...
- Ah, sim! O meu é Patrícia, - e recomeçou a chorar, ficando ainda mais bonita, como é de costume das mulheres bonitas, que ainda ficam mais belas quando choram.
- Olhe, Patrícia, você não quer descer aqui mesmo?
- Quero sim, claro! ... mas o você não disse que a Lei...
- Olhe, Patrícia sabe do que mais? Isso foi uma fatalidade horrível, você não teve culpa mesmo, o velho morreu feliz...pra que mais? Eu converso com o gerente do motel, ele também não vai querer escândalos...vê se não anda mais com velhos.
A viatura parou em frente a praia e uma moça bonita, serena e bronzeada desceu, dando um beijo no policial jovem e simpático.
- Tchau, Túlio, a gene se vê.
- Tchau, Patrícia amanhã eu te ligo.
No outro dia deu um fora no atual namorado, sujeito mais imprestável. E ao contar para as melhores amigas a aventura funesta que tivera, completou, sorridente.
- Nada como ter boas relações com a polícia!