Como Passarinhos

20.07.24

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Caminhava por uma rua, quando viu um grupo de adolescentes com uma bola de futebol. Eram quatro rapazes brincando com ela no asfalto. Usavam camisetas de uma empresa. Era horário de almoço. Achou incrível a cena, inadmissível em uma movimentadíssima metrópole como a que morava. A rua era de pouco movimento, ladeada por altos prédios de luxo. Parou para observá-los.

-Olha o carro! - gritou um deles, fazendo com que se encostassem nos estacionados nos dois lados da via, aguardando a lenta passagem do veículo. Recomeçaram a jogar.

Assistia divertindo-se com as brincadeiras e gozações que faziam entre si a cada drible ou erro. Então, veio-lhe a memória sua meninice adolescente.

Lembrou da rua em que morou, larga e em acentuado declive , sem condições para jogar bola, mas perfeita para descê-la em carrinho de rolimã. Fazia a pista de corridas, descendo-a ziguezagueando com um tijolo em cada mão, riscando o asfalto.

Poucos, ou raros carros passavam . Era tão calma que, quando vinha um “fusca”, se escutava ao longe o seu ronco característico chegando. Às vezes, sentavam lado a lado na guia da calçada, como pardais empoleirados, esperando a vinda de um veículo para, antes que aparecesse, dizerem qual era a marca ou tipo.

-É um Sinca!

-Não, é uma Rural!

- É Kombi!

O campo em que jogavam era em rua transversal à sua, ao final da ladeira. Nesta, moravam três irmãos e dois deles jogavam. Também, aparecia o filho de ingleses, loiríssimo, com os cabelos cortados igual ao dos Beatles e com um vão entre os enormes dentes da frente, salientes como os de um coelho – inesquecível sua imagem! Outros moleques, das ruas próximas, também vinham jogar com eles.

Montavam o campo com um gol em cada extremo da rua, era curta, marcado por dois tijolos separados por um metro, ou um passo seu, pois era o maior dos meninos. A arena, ficava em frente à casa dos três irmãos.

O racha começava. As faltas sempre geravam discussões e brigas . Ele, por ser o dono da bola e jogar bem, tinha ascendência sobre a turma, definindo como juiz se era ou não penalidade, apaziguando o bate boca entre os moleques.

Adoravam jogar na chuva, molhando-se inteiramente, com a bola pesada como uma pedra, de tão encharcada que ficava, machucando os pés ao chutá-la. Era uma farra. Ao chegar em casa, levava um “pito” da sua mãe:

-Precisava jogar na chuva? Vai se resfriar! Já, direto para o chuveiro quente – dando-lhe um doído beliscão no braço.

Às vezes, os carros passavam por cima dos tijolos dos gols, e a xingação era geral para com os motoristas, com todo o repertório de palavrões que tinham, fazendo com que alguns parassem e descessem do carro. Todos corriam, cada um para um lado, como uma revoada de pássaros. Talvez, fossemos mesmo pássaros livres e soltos - era como se sentia naquela época.

-Olha o carro! – ouviu novamente o grito, voltando aos rapazes na rua.

Sorriu para um deles, que veio perto, despertando-o daqueles tempos como passarinhos. Tempos que não voltam mais. Sentiu saudades!

-Está boa a brincadeira, não? - disse ao rapaz ao seu lado, esperando o carro passar. O rapaz lhe sorriu e logo voltou ao jogo, feliz.

Depois, ele alçou voo para o seu destino, lembrando dos seus antigos amigos passarinhos.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 20/07/2024
Reeditado em 22/07/2024
Código do texto: T8111023
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