Será que todos estavam lá?

O despertar do sono às 5h45 da madrugada provocou em Agenor uma avidez inexplicável.

A transparência da janela de vidro guardava a penumbra da noite sob o tom cinza da cortina que se mostrava sem força para esconder a luminosidade daquela manhã de verão. Aquele era o primeiro dia sem a chuva matinal do fim das águas do mês do abril.

Os olhos radiantes de Agenor, agora descortinados pela força do sol, indicavam alegrias e dúvidas à sua existência de pouco mais de 4 décadas.

O vento que batia nas árvores de seu quintal exalava o cheiro da vida que transcorria em meio à saúde, amizade, respeito e condições adequadas de alimentação.

Naquela manhã radiante, iniciava-se o seu primeiro dia de férias após 1 ano 6 meses de muito trabalho. Seria, portanto, esse amanhecer um presente para Agenor?

Agora, livre da rotina diária do trabalho, restava-lhe contemplar o horizonte sentado na velha cadeira de balanço no centro da garagem. No entanto, os ruídos da cadeira eram, às vezes, confundidos com o canto dos pássaros na tomavam vento na copa das árvores frutíferas de seu quintal.

O olhar centrado além do horizonte trazia-lhe à mente a lembrança de alguns momentos vividos ao lado de amigos, familiares ou de admiradores mais queridos.

A lembrança da comemoração de seus 12 anos deixa seu coração em sentimentos, também inexplicáveis. Naquela festa estavam seus "amigos" que seriam para a vida inteira. Eles eram muitos, talvez uns quarenta, além dos amigos dos familiares deles. Naquela comemoração todos os convidados estavam lá.

Na festa de 18 anos, logo após a conquista do primeiro emprego, seus amigos e familiares estavam alegres ao lado de Agenor em demonstração de incentivo e força à nova fase da vida. Naquela comemoração todos os convidados também estavam lá.

Aos 25 anos o som nupcial indicava que Agenor estava disposto a viver ao lado de uma pessoa escolhida sob muitos sentimentos amorosos. Os convidados, e os admiradores também estavam prestigiando aquela magnífica festa.

O nascimento de seu primeiro filho fez com que seus amigos fossem visitá-lo. Pouco a poucos eles iam, entravam e deixavam sua casa sob o sentimento de que aquela criança seria cuidada por aqueles que ali estavam, mesmo que em alguns momentos lhes restasse apenas uma gota de esperança. Mas todos eles foram lá!

A chegada aos 30 anos de serviço dizia que Agenor teria, a partir de então, a sonhada aposentadoria, a qual representava um sentimento de liberdade para cuidar dos netos, da casa e de sua esposa com quem estava vivendo desde a tenra idade dos 25 anos.

O vento que batia no rosto de Agenor gerou uma vontade de passear pelas calçadas de um bairro sem muito movimento de pessoas e de automóveis. Na verdade, os carros daquela pacata cidade tocantinense eram "contados nos dedos". Na saudosa cidade localizada à margem do Rio Tocantins, a vida seguia tranquila e feliz ao cheiro das árvores e ao som matinal e vespertino das aves que nelas repousavam.

Na expectativa de contemplar a força e a beleza da natureza, Agenor decidiu fazer um passeio no parque. Lá era um local aconchegante. O cheiro das árvores, o canto dos pássaros e o barulho dos pequenos animais davam-lhe a certeza de um dia radiante. No entanto, ao movimento de um dos galhos daquele pé de fava de boleta a expectativa de sair correndo seria para não ficar machucado com aquele pedaço de árvore que tinha se desprendido sorrateiramente. Porém, ao levantar a vista, Agenor apenas pôs as mãos sob a cabeça para se proteger do impacto daquele galho de árvore.

Logo no primeiro momento apareceram muitas pessoas tentando entender a situação. Elas eram transeuntes ou daqueles corredores amadores que treinam todos os dias. Após alguns instantes do ocorrido, Agenor, pela primeira vez, tinha percebido que nem todos estavam lá em sua casa para visitá-lo após o acidente.

As poucas forças reativas de seu corpo, agora machucado, indicavam que Agenor precisaria ir para o hospital. Lá ele seria internado para cuidar dos poucos ferimentos. Nesse dia parece que todos também estavam no hospital. As macas lotadas. Além dele, Agenor pôde encontrar alguns conhecidos.

De repente, o barulho ininterrupto do aparelho que media os batimentos cardíacos demonstrava momentos de apreensão com a vida de Agenor.

Após quatro horas de muita ansiedade, correria, orações e correntes de otimismo, a voz enrouquecida do experiente médico anunciava a prematura partida de Agenor.

Agora, no leito inerte colocado no centro de sua casa, a pergunta que seus familiares faziam era para saber se todos os seus amigos, parentes, conhecidos, colegas de trabalho, irmãos na fé tinham sido avisados do infortúnio.

"Será que todos estavam lá em seu velório"? Essa, com certeza, seria a pergunta de Agenor.