Lenda Urbana (Ou Polaco)

Polaco era o apelido dele. O nome real ninguém nunca soube. Ele ficava na frente de um famoso escritório que funciona de segunda a sexta. Na mesma calçada há diversas agências bancárias e muitos pedestres transitam por ali.

Ele, morando na calçada, na sua tenda de acampamento com sua inseparável caixinha de som. Ele não tinha um cachorro e isso me intrigou. Era o único morador de rua da região que não gostava de andarilhar durante o dia e que não tinha um cachorro caramelo ou preto como companheiro de jornada. Ele costumava ficar perto da sua barraca.

Eu passava por ali indo e voltando do meu trabalho. Muito simpático, falante e risonho ele era conhecido pelos moradores. Estava na rua há anos, dizia ele. A barraca soube que ele ganhou de um grupo que fazia caridade. Geralmente as histórias desses moradores eram tristes, mas não parecia ser o caso dele. Ele ganhava algum dinheiro cuidando dos carros na rua, ajudava carregar sacolas, recebia marmitas.

Não usava droga, bebia muito, cada vez mais. Os banhos acho que ele tomava na igreja católica ali perto de onde ele ficava. Havia um salão enorme ao lado da entrada da igreja onde havia mesas e um banheiro espaçoso com chuveiro. Ali eram entregues cestas básicas e roupa e produtos de higiene para os moradores e moradoras de rua que frequentavam o lugar para tomar banho e receber alimentação fresca e quentinha . As doações dos frequentores chegavam sempre em dias de missas, especialmente aos domingos , quando aconteciam duas cerimônias que lotavam a igreja. O padre Henrique é muito querido, a comunidade presente . Algo raro de se encontrar atualmente.

Um dia Polaco apareceu com os cabelos trançados, muito bonitos, perfumados, na altura dos ombros.

A curiosidade foi geral e ele contava orgulhoso que havia recebido um presente. Uma moça moradora do bairro que havia acabado de fazer um curso e precisava treinar, propôs uma visita dele ao salão onde ela cuidaria da farta cabeleira, uma mistura de cabelos lisos com fios ondulados, bem grossos. Seria uma cortesia dela.

A tal mulher era mesmo habilidosa e o resultado ficou ótimo. Polaco tem grandes olhos esverdeados, um rosto quadrado, e o penteado destacou seu rosto.

Todos comentavam na segunda-feira as coisas absurdas que Polaco aprontava nos fins de semana. Alguns colegas, certa vez, tiraram fotos das farras dele, para mostrar para quem duvidasse ao ouvir a história. Uma noite muito fria ele estava alcoolizado e dormiu dentro do caixa eletrônico. Acordou pela manhã no outro dia, levantou e voltou para a barraca, na rua. Era possível ver a bagunça , resto de lanche, copos, deixada por ele no chão do espaço. Nesse caso quem fez a limpeza, reclamando muito, foi a faxineira do local. Parece mentira, mas como a agência tem paredes de vidro foi possível ver o estrago.

A "atitude " dele mais sem noção foi a ocupação da praça perto de um posto de saúde para fazer churrasco no dia de final de um campeonato em um domingo. Ele amava o Corinthians, louco por futebol, ele, ninguém sabe como, organizava um concorrido churrasco (com churrasqueira, carvão, bebidas, tudo bem certinho) e fazia uma festa com sua caixinha de som no talo, contava com a presença de seus colegas. Quando algum vizinho reclamava do barulho ele abaixava o som, a festa acabava tarde, geralmente, quando algum vizinho machão irritado com a bagunça ameaçava bater nele. Era engraçado e ao mesmo tempo surreal ver a praça imunda as latinhas de alumínio eram ensacadas para serem vendidas, o restante da bagunça ficava lá. Ele caído, bêbado, ficava deitado em um canto do chão da praça, todos iam embora. Na segunda pela manhã ainda era possível ver o estrago. Um canto da rua virava banheiro e o cheiro de urina perto de um muro era insuportável. Um dos moradores de uma casa vizinha lavava o espaço logo cedo com desinfetante e jatos de água e aos poucos a vida voltava ao normal, assim a semana de trabalho começava para comerciantes, funcionários das lojas e bancos.

Ele era motivo de fofocas e especulações.

Comentavam que ele alugava a barraca para casais que também moravam na rua. Durante algumas horas ele ganhava um dinheiro com o "motel" improvisado. Além da barraca ele providenciava trilha sonora tocando músicas românticas na caixa de som. Isso tudo durante o dia, em uma avenida movimentada, com toda a paciência do mundo ele ficava sentado do lado de fora, aguardando o fim do período e recebendo o valor combinado.

Como nas portas das lojas e agências bancárias havia câmeras uma colega que trabalha exatamente onde ele costuma ficar contou gargalhando que notava uma movimentação estranha, mas demorou para entender o que acontecia ali. Talvez ela não conseguisse acreditar num primeiro momento.

Uns diziam que Polaco tinha família e que uma irmã dele sempre ia visita lo. Eles conversavam, mas ele não aceitava a ideia de sair dali. Segundo essa versão ele morava na rua por opção. Outros diziam que ele havia sido um advogado de sucesso e que depois de uma desilusão amorosa surtou e por isso largou casa, escritório de advocacia, filhos e foi morar na rua.

Eu escutava tudo e achava que o povo caprichava na "fanfic". A ficção era sempre mais atrativa que a realidade.

Ele podia ser apenas um alcoólatra desempregado que acabou infelizmente precisando morar nas ruas, onde nenhum ser vivo merecia estar. Nem pessoas, nem animais deveriam viver ao relento.

Polaco depois de alguns anos no mesmo lugar desapareceu. Ele bebia cada vez mais e por isso interagia menos com os vizinhos, durante horas deixava a barraca sozinha, saia andando. Como ele era querido pelo casal da banca de jornais ali perto a dupla ficava atenta.

Ninguém soube porque ele sumiu, a barraca depois de um tempo foi desmontada, nela havia poucas peças de roupa, a caixa de som não estava lá, ele levava sempre juntos ao corpo.

Nunca se não soube se foi internado, ou morreu. Ele estava debilitado e poderia ter sido levado por algum parente para fazer tratamento.

Sinto falta dele que sempre foi muito educado e que aprontava as coisas mais absurdas como se fossem naturais.

Ele virou uma lenda urbana na zona norte de São Paulo.

Se algum bom roteirista fizesse uma pesquisa detalhada e escrevesse a história do Polaco e suas estripulias esse caso real poderia ser transformado em uma ótima série em algum canal de streaming.

Manuh DaNorte
Enviado por Manuh DaNorte em 06/07/2024
Reeditado em 09/07/2024
Código do texto: T8101227
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.