Um jantar inesquecível

Luiza era percussionista, vivia em rodas de samba pelo Rio de Janeiro, mas percebeu que o convites ficavam cada vez mais escassos, até que sumiram de vez. Entendeu que precisava fazer alguma coisa, os boletos não esperavam os convites surgirem. Sua namorada trabalhava com cerâmica, então Luiza viu uma oportunidade, mas o que ela faria? O que teria a ver com ela? Após um tempo pensando, começou a produzir vulvas em cerâmica.

Fez uma página no instagram para divulgar o trabalho e viu que as pessoas se mostravam muito interessadas, as encomendam vinham a todo momento. Luiza foi se aperfeiçoando e a produção de vulvas se tornou sua principal fonte de renda.

Até que surgiu o dia das mães, uma data muito tradicional em sua família. Sua mãe fazia um grande jantar com todas as irmãs, coisa de novela do Manoel Carlos mesmo. Como Luiza tinha muitas tias, pensou que a ocasião seria uma boa oportunidade de divulgar o seu trabalho, então resolveu presentear cada tia com um vulva de cerâmica.

Assim que todas estão reunidas na sala, Luiza começa a falar.

- Gente, como hoje é dia das mães, eu resolvi trazer um presentinho pra vocês, um talento que descobri e acabou virando um negócio.

Ela começa a distribuir o presente e as tias se mostram confusas

- O que é isso, minha filha?

Pergunta sua mãe

- É uma vulva de cerâmica, não é linda?

Responde Luiza

- Uma vagina, você nos deu uma vagina de cerâmica?

Pergunta sua tia Norma, indignada

- Não, tia, isso é uma vulva, que é a parte externa e visível, a vagina é a parte interna, entendeu?

- Isso é lá presente que se dê, Luiza? Você endoidou de vez?

Tia Norma pergunta

- Ué, por quê? É um presente feito à mão, com todo o carinho, qual o problema?

- Por que você nos deu de presente de dia das mães uma buceta, Luiza, uma periquita!

Grita, sua tia Carmem nervosa

- O que é que tem? A senhora não gosta da sua?

- Luiza, vem aqui minha filha!

Luiza é puxada pela mãe para um cantinho

- Luiza, você andou se drogando de novo?

- Não, por que? Já te falei que eu não bebo e não uso drogas.

- Sei lá, vocês do meio da música são tudo esquisito.

- Mas por que você tá me perguntando isso?

- O que deu na sua cabeça de dar uma monte de periquita pra mim e suas tias no dia das mães, minha filha?

- Ué, achei que vocês iam gostar, como as pessoas estão pedindo muito, tá fazendo muito sucesso, achei que seriam bom presente, e uma chance de divulgar meu trabalho também. É um trabalho artístico, mãe.

- Luiza, sua tia Carmem tem 76 anos, viúva há 30 anos, vive pra igreja, nunca usou uma calça jeans porque diz que Deus não gosta, não vê uma novela, porque acha que é uma perdição, você achou realmente que uma buceta de cerâmica seria um bom presente pra ela?

- Não é buceta, é vulva.

- Não interessa, Luiza! Você bateu a cabeça, criatura?

- Desculpa, mãe, juro que a intenção realmente foi boa!

- Já não basta você ser sapatão, você ainda me vem com essa?

- O que uma coisa tem a ver com a outra?

- Essas modernidades, minha filha, pra mim, não tem problema, eu entendi que é o seu jeito, mas suas tias são muito antigas, elas pararam no tempo, principalmente sua tia Carmem, ela já era carola, mas piorou muito depois que enviuvou.

- Desculpa, mãe, eu realmente não queria causar nenhum mal estar.

- Agora já foi, vamos rezar pra dar tudo certo nesse jantar.

A mesa farta, todos sentados conversando

- Luiza, minha filha, como anda a música? Fazendo muitos shows?

- Pior que não, mãe, os convites caíram muito, por isso que eu comecei a fazer as vulvas, pra dar uma complementada na renda, sabe?

Logo percebe o olhar de reprovação da mãe com a resposta

- Se tivesse um emprego de verdade, não teria esse problema.

Tia Carmem diz em tom de reprovação

- Ah, quer dizer que ser músico não é profissão?

- Não de gente decente que faz periquitas de porcelana e dá de presente de dia das mãe!

- Quantos anos a senhora tem? 12? Qual o problema de falar buceta, xereca! E eu já falei, são vulvas, um trabalho artístico, não tenho culpa se a senhora é limitada e não entende.

- Isso não é coisa de gente cristã!

- A senhora sabe que Jesus nasceu de uma buceta né?

- Luiza!! - Sua mãe levanta gritando - Gente, vamos voltar para o jantar, alguém mais quer bacalhau?

Já no fim do jantar, Luiza se despede da mãe

- Tchau, mãe, desculpa de novo, não queria causar nenhum mal estar.

- Sem problema, minha filha, só deixa essas suas coisas de trabalho fora do jantar de família tá bom?

- Pode deixar.

Quando entra no elevador, sua tia Carmem aparece correndo

- Segura pra mim, Luiza!

Ela entra e a porta se fecha

- Tia Carmem, desculpa viu? Eu não queria te ofender, de verdade.

Ela fica um tempo em silêncio e fala

- Você faz outras coisas de porcelana?

- Até faço, o que a senhora tem em mente?

- Um pinto.

Fala sussurrando

- O quê, tia?

- Um pinto.

Ainda sussurrando

- Ainda não entendi, fala um pouco mais alto, por favor.

- Um piru, Luiza! Você faz um piru de porcelana?

Luiza começa a rir desacreditada e tenta seguir a conversa

- A senhora quer que eu faça um pênis de porcelana pra senhora?

- Um piru, é, quero.

- Posso saber pra quê?

- Pelo mesmo motivo que as pessoas compram as suas vulvas, pra ter, enfeitar a casa, não interessa! Você faz ou não faz?

- Não é minha especialidade, mas posso tentar.

- Ótimo.

- Tem alguma preferência?

- Queria um grande, com aquelas veias sabe?

- Entendi, alguma cor específica?

- Preto, quero preto.

- Tá bom, vou fazendo e te mandando as fotos pra senhora acompanhar o processo.

- Ótimo, obrigada, vou pagar no pix!

A porta do elevador abre, as duas caminham até a rua.

- Tchau, tia, sua benção.

- Tchau, minha filha, vai com Deus, que Deus te abençoe e te guarde.

Tamiris Pires
Enviado por Tamiris Pires em 06/07/2024
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