GÊMEOS

Como amar um par de filhos, se os dois são tão pequenos e tão parecidos com o pai? Um homem que eu aprendi a odiar.

Falam tanto do amor de mãe, da sensação de ter nos filhos, uma parte do seu corpo caminhando pelo mundo... mas eles são tão iguais ao pai, que eu sinto ser o pior dos homens. Ah, isso estraga o meu amor pelos meus filhos e me faz sentir ser a pior das mulheres.

Talvez se eu adestrasse o meu amor, se eu aprendesse a separar as coisas...separar o homem das crianças, mas eles são tão parecidos com o pai até no gesto de recusar o almoço, quando então ele comia sanduíches de mortadela.

E meu ex-marido comia de boca aberta, ria das piadas enquanto as contava. Isso perde toda a graça da piada. Ele a contava aos amigos e ainda bebia pinga diariamente. Hábito mais estúpido esse.

Será que meus filhos crescerão iguais nessas pingas e piadas? Como manter o amor materno?

Se a figura do meu ex-marido não fizesse diferença ficaria mais fácil, mas ele ainda faz a diferença, sendo um homem que eu não quero mais para a minha vida. Mas por que eu me juntei a ele então durante dois anos? Porque tivemos filhos gêmeos muito cedo. Essa é a explicação. Isso não muda a minha crucificação que não admite amar filhos que trazem todo um gestual paterno e isso logo aos oito anos de idade.

Eu procuro controlar o meu desprezo quando encontro o homem, quando ele raramente passa em casa para ver os filhos e eu nem posso dizer que os filhos são de outro homem, porque os meninos se parecem tanto com ele. São como as bonecas russas que se abrem e encontram a mesma boneca em tamanho menor.

Eu os arrumo e sinto estar vestindo o meu ex-marido. Eu me odeio por isso. Eles escovam os dentes e cospem a saliva do meu ex-marido, agora fumante de crack no centro de São Paulo. Eu me odeio por reparar nisso. Os meninos serão iguais ao pai nesses fumos quando crescerem?

O que eles têm de mim? Eles gritam à noite chamando a mãe que está no quarto ao lado. Eles se escondem embaixo da coberta quando assistem filmes de terror na tevê. Eles, às vezes, têm muito medo.

Eu devia amar o medo que eles sentem. Talvez o meu amor seja esse medo. Medo que cresçam sozinhos. Medo que venham a sumir no mundo, medo que o amor por mim desapareça.

Desprezo e medo. Que sensações estranhas são estas dentro de uma mãe?

DO LIVRO: COBERTORES AZUIS