João e Faísca
03.07.25
539
Chegou exultante balançando uma suja nota de cinco reais nas mãos. Sua barraca, armada na calçada junto ao muro de uma loja desativada, era a sua casa.
-Cinco reais; cinco reais! – repetia alegre, entrando engatinhando na barraca. Lá, seu cachorro de estimação e inseparável companheiro, abanava seu rabo feliz. Ele o abraçou.
-Vamos ter o que comer e beber hoje, juntando com o que tenho . Vamos comemorar! O cão, latia feliz sabendo que seu dono assim o estava também.
Olhando fixamente para a nota nas suas mãos, como um prêmio, começou a repassar a sua vida, o que tivera, o que perdera e no que se tornara.
Veio à mente a época em que tinha trabalho, família, filhos. Tudo parecia seguir o ritmo normal. Era feliz. Pela manhã na sua casa, cedinho, quase ao raiar do sol, estava ele de banho tomado, vestindo a roupa de motorista de ônibus, pois seu turno começava às seis horas, o café cheiroso fumegando na mesa da cozinha posta pela esposa, que o acompanhava. Os filhos, eram três, dormiam.
Tomava o café quente com pão com manteiga e ia para a empresa de ônibus, alegre, pois sua vida era boa. Trabalhava duro por oito, dez horas, voltando para casa cedo, passando pelo bar em que os outros colegas motoristas lá sentavam e bebiam cerveja e pinga. Sempre o chamavam:
-Venha João, vamos relaxar, vem!
João, era o seu nome, comum, como todos os Joãos. Sua vida seguia assim, dedicada à família e ao trabalho.
Mas, tudo mudou quando sua esposa contraiu aquela doença incurável, o câncer! Ele perambulou pelos hospitais da rede municipal e estadual, ela ficou em um deles internada, com os médicos não dando muito alento. Morreu seis meses depois. Agora, era ele e os filhos, um com dois anos, outro com três e o mais velho com cinco. Como faria para cuidá-los?
Sua irmã se prontificou a ficar com eles em sua casa, era a única alternativa para João, pois não podia deixar o emprego. Tinha que ajudar a irmã a mantê-los com o seu salário. Acabou mudando para um quarto na casa dela, no qual ficavam ele e os filhos.
Mas, o destino de João ainda o surpreenderia, tragicamente. Veio a epidemia de COVID, que levou dois de seus filhos, o menor e o do meio. João, não acreditava no que estava acontecendo com ele. Mas, se consolou que pelo menos, o maior estava vivo. Tempos depois, foi atropelado por um ônibus da mesma empresa em que João trabalhava - o motorista teve mau súbito e atropelou as pessoas que estavam no ponto, seu filho inclusive.
João perdeu todas as crenças que tinha na religião e a fé, pois tanta tragédia seguida, não poderia ter sido evitada? E porque com ele?
João começou a beber todos os dias depois do trabalho no bar em que seus colegas bebiam, tornou-se alcoólatra, perdeu o emprego, sua irmã o expulsou de casa, pois ele gastava todo o seu dinheiro com a bebida e depois com o crack, virando ele um morador de rua. Seus olhos se encheram de lágrimas. Seu cachorro, o único membro da sua família, lambia seu rosto, consolando-o.
-Vamos Faísca, vamos até o bar comer e beber alguma coisa – engatinhando pela saída da barraca puxando Faísca com sua coleira de corda, abanando o rabo com vigor.
Foram até ao bar. João, conhecido do balconista, pediu:
- Zé, vê se para dá pra uma coxinha pro Faísca, duas doses de pinga e uma Bhrama pra mim – colocando sobre o balcão os cinco reais e muitas moedas. Zé contou o dinheiro e respondeu assentindo com a cabeça:
-Dá João! Tá comemorando alguma coisa? – perguntou.
-Sim! Estou comemorando a companhia do meu querido Faísca, a minha família!