A Cuidadora
Estando alguns dias ruim da gripe, tomava comprimidos, melhorava e ia para o trabalho. Os dias foram passando, fui piorando e só adiando a ida ao médico. Tomava mais remédios por conta e só piorava. O nariz parecia uma cachoeira; soava, saia tanto catarro que chegava a gastar um rolo de papel higiênico na noite. A gripe só piorava à noite, quando o corpo descansava após um banho relaxante.
Quem não gostava muito era minha esposa, porque tossia à noite. Ela reclamava, brigava e ficava dizendo: "Você não tem mais idade, pensa que é um menino."
Na última noite, já cansada, falou: "Amanhã, logo que você chegar, nós vamos ao hospital." Tentei retrucar, mas não adiantou. A única coisa que falei foi: "Está bem."
Fomos dormir, ou tentar, porque pensei que ia botar meu cérebro para fora. Queria saber aonde tem tanto catarro num corpo. Levantei, fui trabalhar ruim, tomei mais remédios para passar o dia. Acabou o expediente, fui para casa. Ao chegar, abri o portão, entrei casa adentro; ela já estava arrumando a bolsa antes de dar um beijo.
"Pode ir tomar banho, comer algo, vamos ao hospital porque já estou com olheiras, sem conseguir dormir há dias. E outra, aqui quem manda sou eu; agora eu que vou cuidar do velhinho."
Simplesmente baixei a cabeça, parecendo um cachorro acuado, e só disse: "Está bem."
Tomei banho resmungando no banheiro. Não sei como minha esposa escutou e gritou lá de fora: "O que você está resmungando aí dentro? Eu disse que você vai, vai agora!"
Saí do banho, fui me trocar, tomei café. Ela estava na porta, batendo o pezinho no chão e olhando com uma cara de brava. Levantei, peguei meu celular, fui até o banheiro. Ela grita: "Anda rápido, não sei o que olha no espelho já que não tem cabelo."
Saí, olhei para ela com a cara mais lavada, querendo dar risada, mas não dei porque, em vez de ir curar uma gripe, poderia tomar alguns pontos. Abrimos o portão, ao sair ela já pegou na minha mão, acho que pensou que eu ia fugir.
Fomos a pé para o hospital porque não é tão longe de onde moramos. No meio do caminho, tivemos que desviar das bostas; passamos próximos ao curral, atravessamos a linha de trem. Todos que passavam por nós, eu cumprimentava: "Boa tarde."
Ela olha para mim e pergunta: "Você vai se candidatar nas próximas eleições?"
Eu, sem entender nada: "Por que essa pergunta?"
"É porque você dá bom dia, boa tarde até para cachorro. A vaca mugiu, você deu boa tarde."
Eu só olhei para ela com os olhos esbugalhados: "Vamos embora." Andamos mais um pouco, subimos uma ladeira. Já estava com a língua de fora por causa do cansaço da gripe.
Até que chegamos ao hospital. Fomos até o balcão. A balconista fez um monte de perguntas: "Qual seu endereço, nome, bairro, CEP?" Agora pergunta: "Qual é a sua cor?"
Olhei em cima do balcão, vi uma caixa cheia de camisinhas, e na fila uma garota bem novinha com uma baita barriga. A balconista me deu a folha e pediu para assinar e ir para a triagem. Logo sou chamado, a enfermeira coloca aparelho para todo lado, mede temperatura e pressão, faz um monte de perguntas e manda esperar lá fora.
Sento e fico só olhando, uma pessoa pior que a outra. Eu comigo: "Vim com gripe, é capaz de sair daqui grávido."
Demorou um pouco, o médico chamou. Entrei, perguntou como eu estava. Disse: "Estou bem."
O médico: "Se o senhor está bem, o que veio fazer aqui?"
Chamei ele: "Olha na recepção, está vendo aquela senhora ali? É minha esposa."
Ele olhou para mim: "Já entendi, a minha esposa é assim também."
Falei para o médico: "Ela está brigando comigo porque, ao invés de eu ir ao hospital, passar no médico, fico tomando remédios por conta. Sei que estou errado."
O médico, olhando para mim: "Ela está certa, o senhor não pode sair tomando remédios por conta. Tem que passar no médico, aí o senhor será avaliado e vai ser passado o remédio certo."
Só pude dizer: "Está certo," porque além de minha esposa, agora tinha o médico puxando minha orelha.
Depois de fazer alguns exames, me passou os remédios certos e uma injeção. Agradeci e fui para a enfermaria tomar a injeção. Coloquei a ficha e fiquei esperando. Passou um tempo, escutei uma voz dizendo meu nome. Entrei, fui procurar quem me chamou.
Olhei para um lado e para o outro e nada. Daqui a pouco, de novo, a voz, agora do meu lado. Ergui a cabeça, era o enfermeiro com a camiseta do Capitão América.
Eu comigo: "Será que estou na sala da justiça?" porque estou com a camiseta do Batman. Sentada numa poltrona, uma garota tomando soro com a camiseta da Barbie. Aí vi que estava na enfermaria.
Fui conduzido a uma sala. O enfermeiro me pediu para erguer a camiseta e abaixar a calça um pouco para tomar a injeção. Num tom de brincadeira, disse: "Ainda bem que a benzetacil não dói mais como no tempo de criança, que saía arrastando a perna."
Só sei que ele deu risada, falou algo que não entendi e aplicou a injeção. Pensei que tinha uma faca e tinha arrancado uma banda da minha bunda, porque doeu. Lembrei-me do tempo de criança.
Saí mancando, olhei e pensei: "Será porque estou com a camiseta do Batman?"
Fui mancando para a recepção. Olhei para minha esposa: "Isto é culpa sua." Ela: "Eu? Quem está doente é você. Agora vamos embora porque vou cuidar de você em casa."
"Por que você acha que fiz o curso de cuidadora? Para cuidar do meu velhinho."
Paulo Pereira