Bilhete premiado
A noite tinha sido muito fria, como nunca fora na grande São Paulo.
Augusto se apressou com a carrocinha de lixo. Hoje teria que contar a sorte, encontrar o máximo de papelão possível e também latas de refrigerantes que, mais tarde bem amassadas lhes renderiam uns bons trocados.
Precisaria do dinheiro para comprar uma quentinha e um cobertor.
A vida não foi fácil para ele. Saiu muito cedo de uma cidadezinha do interior da Bahia, com destino a São Paulo. A promessa era que, ao chegar trabalharia em uma grande companhia mecânica.
Foi enganado. E, como resultado acabou perambulando pelas ruas da cidade, vagando sem destino, sem ter ao menos onde repousar a cabeça.
Acabou por assim dizer, perambulando entre os mendigos da rua, aqueles cidadãos que ficaram a mercê da família ou da sociedade. Pessoas sem sorte, sem amparo e sem perspectivas de um futuro melhor.
Aos poucos, começou a pedir.
As vezes pedia café numa lanchonete da esquina e, se tivesse sorte, ganhava uns pães velhos adormecidos de sabe deus quando.
Em outros momentos, estava em frente aos restaurantes finos, do lado de fora saboreando o cheiro da comida que escapava pelos espaços entre abertos das janelas. Somente nesses momentos, poderia sonhar com a imagem de casa, da velha infância, da comida caseira da mãe.
Em dias de sorte, ate que sobrava algum resto de alimento deixado por algum cliente guloso que não pode com a própria comida. Nestes momentos, as sobras lhes era ofertada por algum garçom caridoso ou uma faxineira amiga.
Ali deliciava-se com o banquete de sobras.
Mas num destes dias comuns, algo surpreendente aconteceu.
Ao revirar as latas de lixo na intenção de encontrar algo que lhe fosse útil, viu o que seria um brilhante bilhete de loteria.
Rapidamente, pegou o papel e levou para o barraco de lona. Por alguns instantes ficou admirando-o, enquanto percebia que havia números marcados ali e que a data de vencimento do bilhete seria para o próximo dia.
Deitado no chão frio, começou a imaginar-se rico!
- Como será ter a sorte de levar essa bolada? Refletia, enquanto olhava o bilhete entre a claridade da lua.
E assim apagou entre a dura realidade e o doce sonho de ser milionário.
E nesse intervalo de sono profundo, eis que um cachorro de rua, abandonado e faminto, revirava qualquer lugar que tivesse sobras de comidas ou que cheirassem ao rançoso odor de comida.
Revirou suas sacolas, e foi cheirando ate que, chegasse a que continha o bilhete premiado.
O homem se quer sentiu a presença do animal. Estava em um sono profundo, ainda agarrado a pedaços de papelão que lhe caiam como cobertor.
O cachorro saiu em disparada com a sacola entre a boca, fugindo dali para longe e, antes que pudesse desaparecer por completo, o homem acordou e deu conta do fatídico ocorrido.
Conseguiu ver o cão dobrando a esquina, rumo ao centro.
E de supetão, correu com todas as forças, afim de recuperar o tesouro.
Corre aqui, corre acola, não teve jeito, o cachorro parecia um daqueles animais de porte, treinados para as olimpíadas caninas.
Cansado e sem forças, Augusto sentou na beirada da calçada, em soluços de lastima e desacreditado que por um breve momento tivera a chave da mudança de sua infeliz realidade.
E chorou sem parar, como que uma criança sem os acalentos de mãe.
Algum tempo depois, recuperado do trauma, voltou para casa, quando no caminho, algo em uma vitrine de uma loja chamou sua atenção.
Em Uma televisão, estavam anunciando os números sorteados daquele dia, o novo milionário do país.
- E os números da sorte são: 08-09-34-58-19-40-91!
Nesse instante, o coração acelerou de tal forma, pensando em si próprio como o afortunado da vez. Mal se deu conta de que naquele momento o campeão estava dando a primeira entrevista na nova vida de milionário.
E para a surpresa de Augusto, o novo milionário era um morador de rua, igual ele, só que acompanhado de um adorável cachorro. O homem dizia na entrevista que, havia tido um grande dia de sorte, graças ao cãozinho que o agraciara com um bilhete de loteria, encontrado em uma lixeira qualquer, ainda embrulhado em uma sacola plástica.
Nesse instante, ao perceber que o cachorro era o mesmo que lhe roubara mais cedo, Augusto remoeu-se de raiva e de ódio, caindo para trás mortinho da silva!