A MULHER QUE ME OLHOU NOS OLHOS

Eu estava em pé esperando o meu eterno ônibus e comecei a perceber que a uns três metros de mim, uma mulher me olhava. Como todo tímido, olhei para trás e quis acreditar que não era pra mim, pura teimosia, insistentemente com o seu olhar ela me estudava. Fiquei acanhado a principio, mas logo depois comecei a olhá-la timidamente entre as brechas de uma ou outra pessoa.

Nesse jogo de olhares eu senti algo de diferente, achei que ela sabia algo a mais de mim, pois via nos seus olhos a candura e fúria. Por um instante achei estar em outro lugar, num cosmo totalmente estranho e frio. Não sei porque ela começou a me lamber com os olhos, sentia as suas pupilas dilatarem com as minhas e tudo isto porque ela me olhou nos olhos. Sim ela penetrou em alguma parte desconhecida minha, algo mais sombrio e misterioso que o inconsciente, Freud certamente não conseguiria explicar que ambiente inóspito era aquele. Durante aqueles minutos, ou séculos ela insistentemente me olhava, numa direção horizontal ela me mostrava as minhas futuras proezas e desventuras.

Atordoado lembro que ela ainda me olhava, duvidava de mim, me chamava de homem do nada, estranho, ao mesmo tempo ela dizia que me amava e ria de mim. Tive sede estava exausto, meus lábios secaram, mas depois minha boca encheu-se de uma água cristalina. Lembro que ela ainda me olhava, do topo de um monte me chamava pra pescar, e de repente todo um lago secava, ela me pediu pra tocar nas suas mãos, mas quando a toquei sua mão esfarelou-se, e ela me pediu pra beijá-la. Nesse instante choveram pétalas e sua boca foi ficando cada vez mais distante. Vi um retrato de Vênus, e lembro que eu não consegui ver seus olhos, ela me pediu pra deixá-la ir embora, mas com as fibras do meu olhar eu a segurava, pedi que me levasse junto, ela negou, e do fundo de um abismo eu chorava. Ela estava desaparecendo... Passados quinze minutos dessa sensação que acabo de descrever, nossos olhares se desencontraram, e ela apressada corria pra pegar o seu ônibus, foi embora e nem me disse adeus. Dois minutos depois eu ia pra casa, resmungando e pensando sobre a inutilidade da literatura e dos sentidos que tanto nos fazem sonhar e sofrer.