O Seu Coisa
Fazia tempo que não me sentia tão bem trabalhando, parecia até que aquela roça era minha. O patrão deve ter até gostado. Se um dia eu tiver um sitio, quero fazer nele algo daquele jeito. Fui pra lá podar uma jaqueira que ameaçava cair por sobre os bichos do curral. Também fiz um roçado por volta do laguinho onde os animais eram proibidos de pastar. Se boi entrasse ali estragava tudo. Que lugar bonito! Aquele Seu Moço lá tem sorte.
O terreno é planinho bem na frente de onde fica a casa, o terreiro grande, parte de terra batida e parte gramadão e uns pés de coco anão. Os bichos: curral, chiqueiro, galinheiro e cercado ficam escondido pra trás da casa. Quem passa pela rua acha que por ali é só casa e umas plantas adornando o cenário. Né nada, muita coisa. Tudo organizadinho. Casinha pequena de adobe e telhado português. Janelinha azul. Tudo bonitinho.
Passei o dia lá. À bem da verdade que terminei o serviço logo pela manhã. O trabalho mais difícil foi a jaqueira pois não tinha jeito bom de subir, precisei de uma escada, mas depois foi rápido, machado amolado e galhada caindo, com menos de duas horas já estava terminado. O matagal do lago foi rápido também. O Seu Coisa Lá disse que tava criando cobra naqueles matos e as meninas, filhas dele, com medo, não tomavam banho. — Seu Coisa... Conversei com o moço o dia todo e até agora não sei o nome dele. Ele falou, não entendi, fiquei sem jeito de perguntar de novo. Toda vez que eu puxava assunto era já pela metade pra pular a parte de falar o nome. Sou sem jeito para botar apelido, então passei resto do dia lá conversando, mexendo com os bichos, comendo fruta e não aprendi o nome coitado. Não aparecia um puto gritando o nome:
— O seu Fulano!
Ele deveria ter quase a minha idade, um pouco mais velho, eu acho. Tenho certeza que dava conta de fazer todo aquele trabalho e até que já deve ter feito ou algo parecido muitas e muitas vezes. Um sitio daquele não se mantem sozinho, pagar gente pra trabalhar fica caro e pobre nenhum se sustenta pagando outro pra fazer o seu serviço. Diz que deu um mal jeito e não tava bom pra fazer força, que foi medicado e logo estaria bom de novo, acreditei.
Ali dava um bom amigo. Gente boa, família boa, todo mundo simpático e educado. Insistiu pra que eu almoçasse: comida boa. Tia Josefa que me perdoe mais hoje eu comi a melhor comida da minha vida e foi das coisas mais simples do mundo: arroz, feijão com pele dentro, angu bem molinho e frango de quintal com quiabo. Se pra eles aquilo era comida do dia a dia pra mim foi um banquete!
Depois do almoço só vontade de encontrar um toco pra recostar a cabeça, sombra de arvore bem fresquinha, dormir gostoso a tarde toda ou até as formigas começarem a bicar meu corpo todo pensando que eu morri. Formiga pensa? Tá aí outra coisa que eu queria saber.
Passei o dia por lá, ajudei com os porcos, mostrei como se castra usando uma gilete e um punhado de sal fino.
— Desse jeito serve pra todos os bichos: porco, cabrito, bezerro, cachorro, gato só não sei se serve pra homem, nua tentei.
Deixou e me ajudou a catar monte de fruta: tinha abacate, limão, tangerina, caqui. Também arrancou um pé de aipim manteiga e me deu uma cartela de ovos. Isso sem falar na diária. Me pagou e pareceu muito grato pelo meu serviço. Gostei muito e parece que eles também. Deixei tudo limpinho, recolhi a galharia toda, rastelei as folhas caídas e limpei todo o mato em volta do lago, ficou parecendo gramado. Espero que quando precisar de novo me chame. Bom trabalho o de hoje.
Tenho que aprender a perguntar o nome das pessoas.