Larápio de risos

Diziam meus avós: "No meu tempo não havia essa violência toda; só tínhamos medo de assombração e de ladrão de galinhas." Às vezes me pego imaginando esse mundo utópico.

Sem roubo de carteiras, sem sequestros, sem precisar esconder o celular no bolso da calça jeans surrada, sem um cano na cara. A única preocupação eram Gasparzinho e os irmãos Metralhas carregando um galinheiro embaixo dos braços.

A realidade é que tenho a sensação de ser assaltado constantemente. E quem dera fossem roubados somente os bens que carrego no bolso.

Roubam-me o meu sono pela manhã, roubam-me as horas do almoço à tarde, roubam-me a concentração em casa, roubam-me a criatividade no trabalho, roubam-me a inteligência na sala de aula, roubam-me a dignidade na volta para casa, roubam-me o salário no contracheque, roubam-me a saúde na minha correria, roubam-me o futuro no Congresso, roubam-me o casamento na rotina, roubam-me os sonhos no divórcio, roubam-me a aposentadoria na velhice, roubam-me os beijos em bocas desconhecidas, roubam-me a disposição para viver a minha vida. E, se eu deixasse, conseguiriam roubar até de mim!

Mas o pior ladrão é aquele que levou meu sorriso.

Não abri um boletim de ocorrência para isso. Agora, julgo que deveria ter feito. Mas acho que a polícia não entenderia.

Eu estava levando a vida para um passeio. Pisquei, tinha dez anos. Pisquei novamente, tinha vinte. E eu ia sorridente a cada esquina. Ela parava, fazia suas necessidades, acabava e eu recolhia. Abanava seu rabinho, mostrando que estava contente, e ao meu lado nós seguíamos.

De vez em quando, eu a soltava da coleira, ela dava suas voltas, mas sempre regressava. Essa imprevisibilidade do retorno da vida era minha alegria.

Foi em uma dessas piscadas que ocorreu o delito. O malandro apareceu do nada e me pegou desprevenido. Pensei que a vida iria me avisar ou pular em cima do delinquente para me proteger. Contudo, isso não aconteceu. Ele levou meu sorriso bem sorrateiramente, e a vida fugiu de mim.

Ando anos investigando o larápio. Aprendi que o ladrão de sorrisos geralmente não rouba crianças. Seus alvos são frequentemente adultos. E o culpado tem até um nome bem conhecido.

O desgraçado se chama Desencanto.

Thiago Justo
Enviado por Thiago Justo em 29/06/2024
Código do texto: T8096530
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