A Luz Que Ofusca
Os aplausos vinham desde que era uma criança. Sempre vinham. E sempre acompanhados de sorrisos verdadeiros, com um brilho no olhar que lhe mostravam que estavam falando sério. Todos. Todos ali sorriam e aplaudiam. E, além dos tapinhas nas costas, queriam fotos, vídeos, lembranças dele, que sempre estava ali com eles. Para todos, sem exceções, ele era o ídolo, mesmo que do grupo. Mesmo que de um pequeno grupo de outros artistas que ali frequentavam.
Ele sorria de volta um tanto sem jeito, assim que estreou. Foi a árvore mais divertida que aquelas crianças haviam visto numa peça de teatro, e assim, com seu talento, conseguiu se sobressair aos lobos, às bruxas, aos príncipes, princesas e heróis. Logo uma árvore, um baobá, pra ser específico. E ele sorria de volta. Nas fotos, os flashs incomodavam, e as crianças também, mas ele sabia que precisava daquilo ali. Que precisava desse afeto, carinho e apego do público. Afinal, eram eles e para eles.
O tempo foi passando, e o sorriso sem jeito foi sendo trocado. Agora, era um sorriso de satisfação e ego. Sabia que fazia bem. Sabia que se entregava ao proposto, e sempre, sempre mesmo, era ovacionado. Fosse uma árvore, fosse um boto, fosse um ser sem nome na cena dos heróis principais. Sempre, sempre mesmo, ele roubava a cena. E a plateia gostava disso. Passaram a acompanha-lo. Passaram a ter a sensação de terem que ir assisti-lo. E ele sabia disso. Estava se tornando grande.
O tempo não parou, e ele também não. Eram trabalhos sobre trabalhos. Viagens com cias teatrais diferentes, passeios, festas, amigos novos que queria desfrutar de seu sucesso, ainda que regional. Era simpático na maioria das vezes. Mas começou a repelir ao toque. Começou a repelir aqueles que, de alguma forma, tiravam fotos e não elogiavam seu trabalho. Que o paravam na rua, após a peça, e simplesmente não diziam que ele tinha arrebentado outra vez. Ele repelia. E não sentia. Mas sabia que alguns não sabiam demonstrar sentimentos ou admiração pelos ídolos. Era como se ele fosse, quase, um deus. Em seu círculo. Em seu nicho. Mas era... para ele.
E então, um dia, após meses em cartaz com uma versão modernizada de Peter Pan, ele foi chamado por um grande diretor. Em seu camarim, enquanto tirava sua maquiagem de crocodilo, ele foi interrompido pelo seu amigo e empresário, que o apresentou ao famoso Lauro Lins. Conhecido de espetáculos infantis nacionais, que ganharam versões internacionais na Broadway e na Europa. E claro, ali, ele soube, ele sempre soube, que iria voar. Mas para onde? Afinal, o convite ainda não era para o protagonismo. O convite, outra vez, era para um coadjuvante.
O convite para um papel de coadjuvante na produção de Lauro Lins era uma oportunidade empolgante, mas também um desafio para o protagonista. Enquanto ele se preparava para aceitar a oferta, começou a refletir sobre tudo que havia alcançado até então. A fama local, o reconhecimento do público, as críticas positivas — tudo isso o havia elevado a um patamar onde se sentia invencível, o melhor.
Porém, ao mesmo tempo, ele começou a perceber as nuances de seu comportamento. Como sua necessidade por elogios o tornara cada vez mais distante daqueles que não o idolatravam. O ego inflado que antes o impulsionava agora o fazia questionar suas próprias relações pessoais e profissionais. Ele se perguntava se seu sucesso estava de fato refletindo suas habilidades ou se era apenas uma questão de estar no lugar certo, na hora certa.
Enquanto refletia sobre isso, o protagonista teve um momento de epifania. Ele percebeu que ser o melhor ator do grupo não significava necessariamente ser superior às outras pessoas. Não era apenas sobre receber aplausos e adoração, mas também sobre humildade, empatia e respeito pelos outros. Ele começou a entender que a arte não se limitava a ele mesmo; era uma colaboração, uma troca de experiências e emoções com o público e seus colegas de trabalho.
Com essa nova consciência, o protagonista aceitou o papel de coadjuvante na produção de Lauro Lins não apenas como uma oportunidade de crescimento profissional, mas como uma chance de se reconectar com suas raízes na arte. Ele decidiu que iria voar, não apenas literalmente no palco como o coadjuvante, mas também voar alto em sua jornada pessoal de autoconhecimento e redenção.
E enquanto encarava seu reflexo no espelho iluminado por inúmeras lâmpadas incandescentes, percebeu que a verdadeira grandeza não está apenas em ser reconhecido como o melhor, mas em ser capaz de reconhecer e valorizar os talentos e as histórias de todos ao seu redor. Ele aprendeu que o sucesso não é medido apenas pelo brilho dos holofotes, mas pela profundidade das conexões humanas que se formam através da arte e da vida.