A menina que devorava livros
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 18 de junho de 2024
Aos cinco anos de idade, na data de seu aniversário de nascimento, Cecília recebeu de presente um livro de história para criança, dado por seu pai, “O Menino Azul”, de Cecília Meireles. O que primeiro chamou à sua atenção, foi o nome da autora, igual ao seu. Rapidamente deu início à sua leitura. Em poucos mais de seis minutos devorou o livro, contendo 621 palavras. Ao terminar de lê-lo, procurou o seu pai, pedindo-lhe que comprasse outro livro, achara fascinante o que aprendera durante aqueles poucos minutos, lendo algumas páginas impressas em um simples papel. As leituras se seguiram, livro após livro, seu semblante se iluminava, não ia dormir sem ter lido pelo menos uma página. Seu conhecimento sobre o universo se alargava, já não ficava só na literatura infantil. Abraçou os dedicados à adolescência.
Seu pai era apenas um caixeiro viajante, daqueles que se embrenhava pelo sertão Nordestino vendendo remédios milagrosos, conhecidos como garrafadas, as porções que curava tudo, da frieira à dor de barriga, passando por combate às lombrigas, parasita helminto Ascaris Lumbricoides. Os remédios eram feitos à base de especiarias - plantas, raízes, sementes, frutas, ervas medicinais etc., abundantemente encontradas no Sertão nordestino.
A ausência quase constante do pai e a falta de dinheiro para a aquisição de livros, forçou a garota, agora com 14 anos, a sair pedindo livros entre os vizinhos. Nem assim, resolveu sua avidez por livros, eles também não tinham recursos, muitos deles eram analfabetos. A solução foi montar uma banca, na pequena praça do lugarejo, e pedir “esmola”, para poder comprar mais livros. O resultado foi um sucesso, montes de livros foram se formando ao redor da banca de Cecília, que sorria sem parar. Algumas pessoas, por curiosidade, passavam por ela e ficavam emocionadas vendo-a sorrir a cada livro que chegava à banca “Doe um livro”.
O jornal da cidade vizinha apareceu para entrevistá-la, tal a repercussão do sucesso da garota. Perguntada o que a levou a pedir esmola de livros, a garota respondeu que tinha fome de conhecimento, e os livros lhe proporcionava isso, avivava a sua imaginação, a criatividade, o poder da comunicação, aumentava o vocabulário, aumentar o conhecimento geral e seu senso crítico, além disso, ler trazia prazer e estimulava reflexões. Meu pai, apesar de ter pouca leitura, sabia disso. O repórter não perguntou mais nada, estava satisfeito com aquela excelente explicação, a partir de uma adolescente.
O tempo foi passando e o volume de livros só aumentando. Um comerciante local cedeu um de seus galpões para ela montar uma biblioteca, que recebeu o nome de Biblioteca Cecília Araújo, em homenagem à garota. Iniciou-se, então, um sistema de circulação de livros por empréstimo entre os moradores da vizinhança, com a ajuda de voluntários responsáveis, e até bibliotecárias, pelo cadastramento das obras existentes e na abertura de fichas de usuários, para controlar os empréstimos. O trabalho era intenso.
No ano seguinte, a Secretaria de Cultura do município outorgou à garota a Comenda “Amigos da Educação”, pela primeira biblioteca instalada no bairro. Foi mais um motivo de alegria e satisfação para aquela leitora consciente e esforçada, que se orgulhava de seu feito. Filha de pais semianalfabetos, que mal sabiam ler, a fez interessar-se por livros ainda pequena. De tanto ler, fez várias tentativas de escrever um livro. Certo dia, ao concluir um romance que acabara de escrever, apresentou o rascunho a um professor, que prontamente, após lê-lo levou-o a uma editora e, três meses depois ela estava assinando livros em uma noite de autógrafo, que alcançou o recorde de vendas, naquela livraria.
Sua trajetória foi fenomenal, em pouco tempo já havia lançado mais de quatro livros, dois romances e dois contos. A população do bairro onde morava enchia-se de orgulho pela sua ilustre residente. Seu bairro tornou-se o mais intelectualizado da cidade, nele passaram a morar professores, escritores, artistas plásticos, algumas escolas padrão mudaram-se para ele, três livrarias se instalaram nas cercanias dessas escolas, a cultura ganhava espaço entre os moradores locais, permitindo maior difusão e produção do conhecimento entre eles. A garota tornou-se professora, ensinando literatura entre os jovens de uma faculdade pública, sentindo-se realizada, principalmente por ter aproveitado as oportunidades que a vida lhe proporcionara, ao apresentar às crianças, adolescentes e adultos, o conhecimento tão necessário ao desenvolvimento intelectual das pessoas.