O burro Carimbo

Burro feio, velho, último da sua geração, Carimbo é um burro acinzentado. Como gostam de usar o burro! Como todos da sua espécie, empaca. E burro empacado ou você vai levando o fato com displicência, ou mata o bicho de cacetadas.

- Gosto do Carimbo.

- Eu detesto. Só serve para atrapalhar tudo, anda mal.

- Assim mesmo acho que ele é seguro.

- Qual, rapaz! Já viu burro seguro? Burro é burro.

- Mas você não pode negar que ele tem seus préstimos.

- Até que ainda tenha, mas eu não gosto de burros.

- Carimbo é especial. Vem prestando serviços há longos anos.

- Não acho. Nunca achei. Vocês, não sei por qual motivo, gostam dele.

- Ele nunca falhou conosco. Usamos o velho Carimbo e tudo resolvido.

- Até que seja como você diz. Mas que ele atrapalha, atrapalha.

- Carimbo?

- E acaso estamos falando de quem?

- Não se irrite moço. Gente nova, da sua idade, é assim mesmo.

- Assim como? Que tenho de diferente?

- O modo de pensar, moço. Gente nova pensa diferente, não é?

- Nem todos, mas a maioria gosta de coisas novas, atuais.

- Acaso Carimbo não é atual? O bicho tá ali, vivinho.

- Mas devia ser espécie extinta.

- Moço! Faz isto não. Já falta tanto bicho!

- O senhor não está me entendendo.

- Como não estou entendendo? Carimbo não pode ser extinto.

- Não se trata disto, meu velho. Este burro não serve mais, só atrapalha.

- O senhor não está no seu juízo perfeito. Carimbo atrapalha?

- Muito. Seus amigos também.

- Amigos? Não me consta que Carimbo tenha amigos.

- É, o senhor não vai entender mesmo.

- Se o senhor me explicar, entendo sim.

- Carimbo está ultrapassado. Hoje resolvemos tudo mais rápido.

- Sempre com pressa, esta gente moça! Carimbo não falha!

- Pode não falhar, mas atrapalha muito.

- Quem empacou fomos nós. Nem eu convenço o senhor!

- Não se trata de convencer, mas julgar quem é o melhor.

- Ninguém é melhor que Carimbo para este serviço. Pensa, moço!

Não adiantava tentar convencer o velho. Carimbo era o nome do burro, mas o rapaz estava referindo-se ao apetrecho de madeira, em cima de uma mesa, que fazia quase todo o serviço burocrático do lugar.

Ao invés do computador, carimbo. Difícil mudar certas coisas.

Enquanto isso, o burro Carimbo, ninguém sabe a causa do seu nome, continuava comendo capim tranqüilamente.