Que horas são?
Por um instante, Angela fez menção de comentar algo interessante que acabara de ver, com o marido. Abriu um leve sorriso que ficou invertido logo em seguida. Como faz um palhaço quando quer demonstrar tristeza. Ulisses que havia deitado no sofá, a essa altura já roncava como um porco, e ela não havia percebido. Há poucos minutos ele havia balbuciado algumas palavras monossilabicas. Que ela forçosamente tentava aceitar sem demonstrar insatisfação. Comendo cada dia um pouco mais de suas migalhas amargas.
Como esse desgraçado tem o sono pesado, e como dorme tão bem. A mente dele é leve como uma pluma. Pensou ela, exacerbada. Por um momento imaginou como seria bom dar um grito. Vê-lo acordando assustado, olhos arregalados, babando um pouco ou quem sabe até despencando do sofá. Voltou a sorrir, desfrutando por alguns segundos do seu sadismo. O problema é que ela não sabia coloca-lo em prática, como Ulisses fazia brilhantemente. E se ele era sádico, só restava a ela o papel masoquista naquela relação.
Porém o que Angela não sabia responder, é se de fato ela era assim ou tronou-se para caber ali, naquela relação exaustiva. E pior do que não saber responder essa pergunta, era não saber como sair dali, daquele lugar, daquela casa, daquele casamento, daquele homem. Angela estava perdida.
Ulisses acordou perguntando a hora. Ele sempre perguntava a hora, em qualquer situação, como se tivesse sempre algum compromisso importante ou estivesse atrasado para algo. O que prontamente ela respondeu 21:20h. Que horas? perguntou ele mais uma vez. Ele nunca entendia de primeira. Sempre era preciso repetir tudo. Então, ela repetiu mais uma vez, pausadamente, com a voz uns dois tons acima. No que ele levantou e foi para cama, dormir novamente.
Sim, ela estava perdida, mas percebeu naquele momento que de alguma forma teria que se encontrar. Ou seriam noites e noites insones, até que pudesse enfim ter o descanso merecido.