Seu Joaquim do regatão
Seu Joaquim, dono do regatão, era também o timoneiro, comandante e cozinheiro. Ele mesmo preparou o jantar e serviu uma deliciosa refeição. Ficamos por longas horas ouvindo estórias de caboclo d’água, fantasmas, peixes gigantes que engolem pescadores e botos sedutores de mulheres. Depois, embrulhei-me dos pés à cabeça para me proteger dos carapanãs e dormi. No dia seguinte, mal raiou o sol da primeira aurora, retomamos via fluvial e seguimos viagem. Aproximadamente às dez da manhã, avistamos um arraial. Seu Joaquim perguntou a meu pai se podia fazer uma parada naquela aldeia. Como objetivo era vender, meu pai concordou prontamente. O barqueiro era muito conhecido naquela região e também querido, porque prestava serviços à comunidade ribeirinha trazendo suas encomendas da cidade. A beira do rio ficou cheia de gente para cumprimentar o dono do barco e seus passageiros. Foi uma recepção muito calorosa. Era aniversário de seu Joaquim do regatão. Os ribeirinhos sabiam disso porque seu Joaquim inteirava anos na mesma data em que Manuel Surubim ficava mais velho.
- Trôxe minha incumenda, seu Joaquim?
- Truxe.
A cada pergunta a resposta era sempre trouxe, na verdade, truxe, em seu linguajar.
- Seu Joaquim, esta noite caiu um pintado na rede. Você e seus convidados ‘armoça’ hoje ‘mais nois’. Adiantou-se seu Manuel, pescador experiente e respeitado que exercia certa liderança na comunidade. Seu Joaquim consultou novamente o fretador do regatão. Meu pai concordou prontamente, pois já entabulava negócio com um caboclo. Enquanto meu pai negociava, saí de fininho com os novos amigos, mais ou menos de minha idade. A garotada tinha um litro de Cinzano, fígado de porco, asa, pé de galinha e ovos de tracajá pra tira-gosto. Fizemos nossa farra e quando voltamos papai já estava chamando urubu de meu louro. Mas negócio mesmo só fazia antes de beber.
- Onde você andava meu filho! Venha aqui para contar e guardar o dinheiro dos negócios que fiz... A cada pacote que me entregava dizia: “esse aqui é de tantos objetos que vendi a fulano, confira...” Depois passava outro maço e repetia a conversa... Veio o almoço, surubi ao leite de coco, regado com conhaque Imperial e uma cachacinha... Ninguém cantou parabéns pros dois aniversariantes. A vida no campo não tem essas coisas, pelo menos não tinha naquele tempo.
Às dezessete horas, zarpamos novamente, já com pouca mercadoria. Papai estava pra lá de Bagdá e toda hora me perguntava: “Você recebeu o dinheiro da venda que fiz?” Recebi, papai. Não se preocupe está aqui em meu bolso.
Chegando a Marabá fomos recebidos por uns “simpáticos” fiscais que chiavam mais que cascavel.
- Ei, vocêiiss dôiiss... Trêiiss – chamaram também o barqueiro.
- Maiiss... Vocêiiss têm que botar a mercadoria pra vender no varejo, durante vinte e quatro “horaiis” e só “depoiis” podem vender à grosso. Cumprimos toda recomendação recebida dos fiscais. Vendemos primeiro no varejo e depois em atacado. Fizemos bom negócio, pagamos a seu Joaquim e pegamos avião para Carolina. Daí em diante, foi caminhão de carga, caminhão- misto... O transporte que viajasse na direção de Picos era boa condução para nós, porque dali em diante, dezoito quilômetros pra serem puxados no dedão nos esperavam.
LIMA,Adalberto SILVA, Francisco de Assis et al. O Brasil nosso de cada dia