O freguês sempre tem razão
O ano de 1960 parecia promissor para a atividade agrícola. Foi um ano de muita chuva e enchentes na região de Picos. Como havia perdido meu capital, resolvi plantar feijão. Comprei sementes fiado para pagar com a safra. Com ajuda da mão-de-obra familiar, plantei dez tarefas com sementes de boa qualidade. Choveu muito. Muito além do exigido pela cultura plantada. Nem bananeira agüentaria tanta água. Por causa do excesso de chuva, o feijão cresceu como nas fábulas infantis, engrossou a folha e nada produziu. Não me restava nada a fazer senão voltar pra Goiás. Comecei a despedir-me dos parentes e preparar para partir. Minha mãe chorava pelos cantos e sua alegria de antes, transformara-se numa profunda tristeza. Despede de parente aqui, despede de parente ali e numa dessas idas e vindas, ao chegar em casa, percebi que minha mãe tinha um brilho diferente nos olhos. Que será?
- Meu filho, venha cá! Você não precisa mais ir embora. Compadre Isaac acaba de sair daqui. Ele quer que você trabalhe no Armazém com ele lá em Picos. Você vai aceitar, não vai?
Não tinha como recusar! Mesmo que a oferta não fosse vantajosa, não poderia fazer sofrer aquele coraçãozinho de mãe.
- E cadê Isaac?
- Está em Santa Rosa e disse que você fosse para lá.
Minha mãe arrumou a mala. Fui ao encontro de Isaac. Pernoitei no retiro de meu futuro patrão e só no outro dia viajamos para Picos. A tia Maria, esposa de Isaac, ficou muito feliz em ver-me chegando para trabalhar em seu comércio, pois o armazém ocupava a parte da frente da residência e ela assumia o balcão, na ausência do marido. Tendo uma pessoa de confiança trabalhando ali, a patroa poderia cuidar melhor dos filhos e dos afazeres domésticos.
No mesmo dia em que cheguei, Isaac viajou pro Recife e deixou comigo uma lista com o preço das mercadorias. Inicialmente assustei-me com o peso de tamanha responsabilidade. Tomar conta de um grande comércio de secos e molhados e o patrão viajara, antes mesmo de me inteirar sobre tudo que vendia.
As prateleiras estavam abarrotadas de mercadorias das mais diversas espécies e marcas. Sacarias empilhadas para venda no atacado contornavam as paredes e na linha do balcão, algumas abertas para venda à granel.
Logo que Isaac saiu, chegou o primeiro freguês. Uma senhora da cidade queria comprar canela em casca.
- Quanto é um quilo de canela. Perguntou.
- É trinta cruzeiros. Respondi consultando a lista.
- Pois pese meia quarta bem pesada pra mim.
A mulher queria 125 gramas. Naquele tempo não tínhamos balança de precisão como temos hoje. Rapidamente tomei um peso de quinhentos gramas e pus num dos pratos da balança. No outro prato, despejei a canela. Quando os pratos se alinharam horizontalmente e o ponteiro parou no centro da haste, peguei o meio quilo de canela pesado a “ouro e fio”, dividi em duas partes e coloquei uma metade num prato e a outra metade no outro. Aquinhoei as partes tirando daquela que tinha mais e colocando na que tinha menos, até a balança acusar que ambos os pratos tinham o mesmo peso. Teríamos, portanto, duzentos e cinqüenta gramas em cada prato. Repeti a operação até conseguir os 125 gramas solicitados pela cliente. Embrulhei a mercadoria num papel, entreguei àquela senhora e fiquei esperando o pagamento. Ela não pagou. Em vez disso, atirou o pacote sobre o balcão e berrou. “Eu pedi bem pesado e não foi isso que você fez! Depois eu volto. Você vai ver” Logo entendi o recado: ela voltaria para fazer minha caveira, quando Isaac chegasse.
No sábado seguinte a mulher voltou e fez o mesmo pedido em alta voz, decerto, queria que o patrão escutasse. Refiz todo processo de pesagem tal qual da vez anterior. Meio quilo, depois uma quarta e finalmente a meia quarta solicitada, sempre submetendo cada parte divida ao fiel da balança.
- Eu quero meia quarta bem pesada, ou você pesa bem pesado ou não levo.
Olha aqui seu Isaac, na semana passada estive aqui e esse empregado seu me atendeu do mesmo jeito. O tempo todo reparei como ele pesava a canela. Assim não quero! Protestou em alta voz. Isaac aproximou-se de mim. “Bote mais um pouco na parte dela, deixe o prato baixar” Coloquei. Ela pagou e saiu.
- Seu “Guaxi”, você está certíssimo, mas o freguês sempre tem razão.
Aquele empresário, sabiamente, me deu uma grande lição de pós-venda. Entendi perfeitamente que o grau de satisfação do cliente é muito importante para manter cativa a clientela.
LIMA, Adalberto; SILVA, Francisco de Assis et al. O Brasil nosso de cada dia.