Construindo um mundo impossível
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 11 de junho de 2024
Conheci seu Gonzaga ontem, por acaso. Estávamos esperando um ônibus que nos levaria aos nossos destinos, nossas casas. Sabíamos que seria uma espera longa, aquele local onde nos encontrávamos era o final da linha, lugar distante do centro da cidade, por isso a demora. O aspecto era de abandono total, parecia nunca ter recebido qualquer melhoramento, somente aquela parada de ônibus. Ele estava ali, pela última vez, para verificar as condições do terreno que acabara de vender. Eu fui até lá para ver como ia o pomar do sítio, que meu caseiro estava formando.
Indaguei ao velho senhor se ele morava ali perto e, laconicamente, respondeu que não. Aos poucos fui invadindo a privacidade do meu companheiro de espera, para deixar passar o tempo, eu estava ficando entediado com aquele silêncio. Perguntei-lhe por que morava ali, lugar quase abandonado. Seus olhos brilharam, sua fisionomia se transformou, um sorriso de contentamento apareceu em seu rosto:
─ Amigo, vou contar minha história, tem uma parte boa e outra triste. Vou começar pela boa. Meu pai morou aqui por muitos anos, ganhou um imenso terreno de herança, quando meu avô morreu, sem realizar o seu projeto de vida, construir casas para os filhos, tê-los todos ao seu redor. Infelizmente, sua esposa, minha avó, só teve um filho, meu pai, que foi morar na cidade, após a morte dos pais, abandonando o sítio, não tinha força suficiente para cuidar de tudo aquilo. Minha mãe também só teve um filho, eu. Aos 18 anos retornei ao sítio, já casado e com a mesma ideia de meus antecessores, ter os filhos, todos ao seu redor. Encontrei a casa de meu avô, parcialmente destruída pelos vândalos, sem portas, nem telhas, só ficaram as paredes. Dedicado a dar andamento ao projeto das casas, dentro de pouco tempo, estava novamente recuperada, como o meu avô deixara e meu pai conservara, até morrer.
─ Com a casa pronta, minha esposa criou coragem e engravidou, o neném nasceu sadio. Era o nascimento do projeto de meu avô, iniciei a construção de mais uma casa, que seria do nosso primeiro filho. Passei anos pensando no projeto de meu pai, ter filhos e agasalhá-los sob o meu cobertor. Com esse objetivo em mente, continuei morando no sítio, os filhos foram nascendo. A cada nascimento eu construía uma casa. Foram dez delas, e quando completavam dezesseis anos de idade, passavam a morar nelas, para irem se acostumando, criando raízes em seus ninhos. O sustento tirávamos daquilo que plantávamos e colhíamos. Contávamos com criações: galinhas, patos, carneiros, porcos e até vacas. Uma parte era a nossa subsistência, outra para venda. Tudo era bem administrado, eles aprendiam um ofício, a convivência, a harmonia, e a economizar, guardar para o futuro, juntar o seu pé-de-meia. Havia a contribuição para uma caixinha, que era dividida sempre entre os que iam nascendo, até começarem a trabalhar para o próprio sustento. E assim, fomos vivendo.
─ Quando tínhamos construídas as dez casas e o último filho completado dezoito anos, o mais velho, já com 34 anos de idade, casado, dois filhos, resolveu se mudar para a cidade, “foi a senha”, parecia que ele não mais se importava em viver ao redor da família. A modernidade, a televisão chegara e mostrava as belezas fora daquele mundinho que meu avô havia projetado, e por circunstâncias que não lhe diziam respeito, não dera certo. Fiquei arrasado, mas permaneci de cabeça em pé.
─ Os outros seguiram o mesmo caminho, sem constrangimento foram saindo, alguns já casados, os últimos ainda solteiros. Ganharam o mundo, mudaram-se para outros estados, outros países. O nosso patrimônio foi se deteriorando, os que retardaram seguir o exemplo do primeiro, não tinham força e nem disposição para tocar o barco comigo. Eu olhava com tristeza para aquele pedaço de terra, que teria sido o sonho de meu avô, de meu pai e o meu próprio. Chegou o tempo em que eu e minha esposa nos sentimos cansados, ela, pelo trabalho que teve com os filhos que iam nascendo, não tínhamos mais ânimo para aquela vida. Foi o começo do fim, decidimos voltar para a cidade. O último ato foi vender os nossos sonhos, é o que estou fazendo agora, indo para a cidade assinar os papéis da venda daquilo que um dia foi o nosso império. Não sabemos onde isso vai parar. Ainda guardo um pouco daquilo que amealhamos durante todo esse tempo. Vamos adquirir uma casinha em bairro afastado do centro da cidade, esperando que o nosso Bom Deus nos conceda a paz eterna, ao seu lado.
O ônibus chegou, houve a despedida, eu satisfeito por ter conhecido uma bela história, de coragem e sacrifício