Útero de Gaia
Numa noite, repleta de vazio e escuridao Gaia veio a luz, inundada por um arco iris de araras, tucanos, beija flores e borboletas, embalada pelo canto dos rouxinóis e sabias, ornada de uma beleza impar e sedutora.
Com curvas sinuosas como as montanhas, longos cabelos ondulados como as ondas do mar, pele reluzente como o sol e filha fértil nascida do Caos.
Gaia foi crescendo e cada dia que se passava atraia mais olhares, por sua magia e generosidade.
Com voz suave cantarolava melodias sublimes, sorria e bailava ao vento, trazendo harmonia e equilíbrio ao Cosmos.
Seu encanto era tanto que despertou ciúmes, inveja, fúria e leviandade de muitos. Foi usurpada em suas formas, dilapidada em sua riqueza, vendida e invadida, roubada e violentada, com sua pele dilacerada em fissuras em suas veias vertendo torpor. Seu corpo foi despido de forma brutal e seus filhos arrancados de suas entranhas, distanciados do seios que os supria de leite e afeto.
Foi dopada, queimada, torturada destruída, inúmeras vezes, e em meio ao abandono e quase sem fôlego, Gaia chorou.
Seu lamento foi ouvido aos quatro cantos, seu pranto se transformou em rio, sua vitalidade jorrou por suas extremidades e sem forças desmaiou.
Preocupados com sua existência e sobrevivência de seus filhos, vieram especialistas de todas as partes. Sentiram seu pulso, verificaram suas pupilas, tentaram revigorar seu coração e reestabelecer sua respiração.
Gaia foi internada, entubada, medicada, mas ainda assim sussurrava de dor. Seria este o seu fim, depois de parir tantas vidas. e transmutar a morte?
Sob os lençóis cores de mercúrio fedendo a formol, em um espaço fúnebre, em que seus filhos velavam e lamentavam suas agruras, num lapso do tempo, um eclipse de esperança, Gaia reagiu, se movimentou e expeliu de seu útero flores, frutos, brisa e tempestades.
A última vez que vi Gaia, ela estava ofegante, cansada e sangrava, sangrava muito, mas ainda respirava....
Ana Lu Portes
10 de junho, 2024