A Festa de Debutante
Quase sem perceber lá se foi mais um ano, aproximava-se o aniversário de Joana. Dona Deolice sempre sonhou com uma festa de debutante para a sua menina: vestido branco, valsa com os irmãos, festa no salão do desportivo. Todos os parentes, amigos e conhecidos sentados em suas mesas encantados com a classe e a finesse daquele encontro, todos se perguntando quanto que ela deve ter pago por aquilo tudo. Porém, a vida quase nunca é justa com quem muito trabalha e assim também não foi com os sonhos e desejos de Deolice. Era sempre um aperto danado para cobrir as despesas da família. A casa, própria, graças à Deus. Água e luz chegavam sim em sua residência, à revelia das companhias, ainda assim, o que a família conseguia prover de orçamento mal cobria as despesas básicas para a sobrevivência. Suas contas viviam um relacionamento sério com o vermelho.
Seu salário, há anos, não via um aumento. Doméstica de profissão, apesar de toda dedicação, de todo o zelo que empregava aquela patroa, por mais que soubesse, se recusava a acreditar que estava sendo explorada. Não pedia nenhum centavo a mais, achava que poderia soar ofensivo ou mesmo mesquinho tratar desses assuntos com uma pessoa tão boa como Dona Cristina. Jorge da Conceição, seu marido, nunca foi um homem de negócios, trabalhava porque era preciso, mantinha a sua barraca, um copo sujo na comunidade, não exatamente para ter uma garantia de sustento e sim porque gostava muito do ambiente e das amizades que ele proporcionava. Nunca se importou com dinheiro, com status, com luxo ou qualquer outra coisa além do conforto de uma vida tranquila com pouca ou nenhuma preocupação. Vendia fiado, emprestava sem prazo, esquecia de cobrar, deixava pra lá. O que ganhava somado ao salário de Deolice mal cobria os gastos com a alimentação, vestimenta e cuidados da casa.
O sonho de Deolice, festejar os quinze anos de sua filha caçula, estava latente em seu peito mesmo sabendo que a realidade agia sempre de forma cruel e sem pena em sua vida. Bom, talvez fosse possível uma celebração em casa: chamaria parentes, amigos e vizinhos; cerveja, refrigerante, churrasco, docinho e um bolo branco.
A filha estava um nojo: reclamava de tudo, nada estava bom. Já não queria a festa de aniversário.
– Pra quê vestido novo pra fazer festinha dentro de casa? Minha mãe quer um culto, vê se pode? Valsa no terreiro, entre a goiabeira e o galinheiro?
Além da implicância com tudo, Joana deu também de não querer comer, come nada e o nada que come nunca estava bom. Vivia enjoada. Vomitou uma, duas, três vezes. Desmaiou. Como sempre, sua mãe não estava em casa e, antes que alguém surgisse para socorre-la já estava de pé. Pensou em falar com o seu pai sobre o desmaio, mas como ele estava tão entretido com sua explanação: uma de suas discussões controversas habituais sobre futebol, achou que o melhor a fazer era deixar pra lá, pegou uma coca cola no freezer, avisou que era para o almoço e voltou pra casa, vantagem única de ser filha do dono da barraca.
Uma semana se passou para que Joana percebesse que algo errado estava acontecendo com o seu corpo. Teve muito medo de falar com a mãe. Sempre que ficava doente o único caminho certo pra cura era o postinho de saúde: fila enorme, muito calor, gente tossindo, cheiro de éter e uma agulhada. Era certo: ninguém que entrasse naquele consultório sairia de lá sem a prescrição de uma benzetacil ou dipirona, todas injetáveis. Pavor daquilo, mas o medo de morrer era um bom motivo para quebrar o silencio. Enjoo, náusea, tonturas e vomito para Joana só poderiam dizer uma coisa: câncer.