Periferia é periferia (será dado continuidade ao menos uma vez por semana)

Era 8h da noite, Pedrinho e Do Hermans, apelido de Renato, estavam indo para passarela fumar o baseado de cada dia, já levavam bolados os baseados, pois em cima da passarela ventava muito, e os dois já tinham cansado de perder baseado para o vento. A passarela passava por cima de uma rodovia chamada de contorno norte, seria uma queda de 50 metros até o chão, mas os dois sentavam e ficavam com as pernas soltas ao vento, vendo os caminhões e os carros passarem.

Aquela noite, foi uma noite diferente e triste, tinham enterrado em um dia anterior um grande amigo, que fora morto pela polícia em uma fraudulenta troca de tiros.

- Irmão, sem mancada há quatro semanas atrás - diz Pedrinho contando nos dedos. Nós estavamos, eu, você, o Baianinho, o Gustavo, o Felipinho, o André, o gordão. Ele faz uma pausa, seus olhos estão lacrimejando, ele completa a lista com mais ferocidade na voz - O luqueta, e o Renatinho, piá, fumando aqui nesse mesmo lugar. Só moleque bom, que se foi por causa de nada.

- Nem fala moleque, essas coisas chega até a arrepiar, só sobramos nós, Piá, papo de homem, vou me jogar dessa vida, e eu de você faria o mesmo, agora que você está com uma mina, arrumou um trampo, as coisas vão melhorar.

- Ah, nisso eu tô ligado, mas aquele trampo também é maior tiração, mano. O patrão sabe das minhas passagens, e acho que é por isso que ele me faz trabalhar dobrado, eu tô trabalhando por uns 4 funcionário dele. Esses dias eu vi dois lá fora fumando maconha, dois encarregados, piá. Papo de homem. Parece que os cara fica testando a gente tá ligado?

- É fih, e não cai numa dessa não, que as vezes pode ser isso mesmo, vagabundo planta a semente pra você colher, esses patrão não gosta muito de nós não, nunca vi ex-presidiário virar gerente.

- Só se for de boca de fumo hahahaha

- Não, eu tô falando sério, mas sabe que o governo tá com uns programas de curso, pra você aprender alguma profissão, daí sim dá bom. Agora entrar em qualquer empresa aí , ninguém te ensina nada, os caras só menospreza a gente. Bagulho é foda.

- É foda mesmo, mas por enquanto eu vou matar no osso, ficar ali por enquanto, vê se eles me registram, aí se pah daqui um ano, peço pra eles me mandarem embora, com dinheiro do acerto, mais o seguro-desemprego dá pra tentar fazer um curso e terminar antes dos 18 anos. E você como tá a vida de boy?

- Ah, piá. Daquele jeitão. Tô tentando juntar um dinheiro pra tirar minha carteira, ano quem vem vou fazer 18 anos, tomara que até lá já consiga, mas boy é maior profissão de risco, falei pra você que eu bati semana passada, né?

- Não, não falou, qual foi a da fita?

- Aquela velha história que já levou muito motoboy pro cemitério, filha da puta cruzou a preferencial e eu dei no meio do carro dele. Sorte que não aconteceu nada nem comigo e nem com a moto, só quebrou meu retrovisor, não sei como piá, e vou te falar, fiz um amassadão no carro do pilantra.

- Bateu nele?

- Não, era um tiozinho, daqueles que nem deve mais andar de carro, fiz um amassadão com meu corpo mesmo ahaha. Mas fiquei de boa. Dei uma conferida na moto antes vi que eu tava bem, liguei a moto e fui embora, só xinguei ele de velho burro antes de ir haha

- hahaha mas isso é fóda piá, esse trânsito ai fala pra você, viu o maninho que bateram nele? caralho, esqueci o nome dele agora. Mas vai vendo a fita, ele parou no sinaleiro, sinal vermelho, veio uma Hillux, piá a milhão, bateu nele que jogou ele longe, sorte que não tava vindo carro do outro lado. Mas diz que ele ficou na U.T.I um tempão e chegou a perder um rim.

- E o cara da Hillux?

- Meteu marcha, playboy tem direito a tudo nesse país, até de matar os outros.

- Lembro de um professor me dizendo que a lei é pra todos, só se for pra todos que tem dinheiro, ein que horas são aí?

- 10h

- Então, vou em casa jantar, que amanhã tem umas entreguinha pra fazer de manhã, firmeza?

- O firmeza meu piá, amanhã eu ligo você pra nois cola aqui

- Demorô

Os dois se levantaram e foram em silêncio até o final da passarela, onde um desceria e o outro subiria, tocaram a mão batendo com um tapa e um soco leve e se despediram.

Na mesma semana, Pedrinho recebe mensagem no seu Whatsapp:

- e aí, Pedrinho! firmeza?

- Opa, e aí moleque. Tô suave e você?

- Suave, vamo cola no pico hoje fuma um?

- Então, piá hoje é sabado tô aqui na minha mina.

- Leva ela, carai.

- Então ela não curte muito aquela passarela, ela tem um pouco de medo de altura rs

-Ela ta aí agora?

-Tá

- O Lara, larga a mão de ser bunda mole e vamo la no pico, os cara passa até de moto naquela passarela.

-Ah, não sei se eu vou não. E se eu não for o Pedro também não vai.

- Você é chata ein mano, queria falar com ele de uma fita.

- Que fita?

-Vamo lá que eu falo.

- Só vou se você me comprar um cachorrão.

- hahahaha tá bom, prefere salsicha ou hambúrguer?

- Hambúrguer.

- O que a gente não tem que fazer, né? cola lá 20h. Fala pro Pedrinho.

- Ok.

Era 18H, Pedrinho questionou Lara de forma amistosa por pedir um lanche para o amigo dele, ela riu, ele complementou - da próxima vez pedi pra mim também. Tomaram banho se trocaram e rumaram pra passarela. Lara foi reclamando todo o caminho dizendo que morre de medo daquela passarela, e não consegue entender a pira de ficar sentado naquele lugar, Pedrinho responde que gosta de ver os carros passando e que as vezes rolava até uns rachas de moto. Ao chegarem na passarela, Renato já estava aguardando com o lanche da Lara na mão, toma o lombriguenta -ele disse sorrindo. Cumprimentou o amigo e foram aonde costumavam ficar, bem no meio da passarela. Eles estavam conversando e nem se deram conta que a Lara nem tinha dado o primeiro passo para entrar na passarela.

-Vem amor, diz Pedrinho.

-Acho que eu vou embora, responde Lara.

- Ah, não. Comprei até um lanche, agora tu vai vir.

Os dois foram busca-la, Lara tinha recém feito 15 anos, cada um pegou em uma mão dela e foram levando ela vagarosamente pela passarela, Lara caminhava feito um robô, estava tensa e de olhos fechados, quando chegaram no meio da passarela, eles sentaram como de hábito, na beirada do contorno, com as pernas soltas, balançando ritmadas ao vento. Lara ficou bem no meio da passarela, onde julgou não conseguir ter contato nenhum com a vista que os dois tanto gostavam.

- Mano, se viu que fita aconteceu ontem? diz Renato.

- Não, o que aconteceu?

-Mataram o patrão do Requião.

- É nada, piá.

- Nossa, mas vocês só sabem falar nisso, né. Porque vocês não apresentam o programa do salsicha? Diz Lara com o rosto melecado de maionese. Renato olha pra ela com um sorriso no rosto e diz- vai lavar essa cara menina. os três riem.

- Me conta, piá. Diz Pedro.

- Mano se não sabe que bagulho doido, lembra do irmão do Jefinho que vivia soltando pipa na avenida das antenas?

- Sei, ele deve ter uns treze anos, né?

- Esse mesmo. Foi ele, piá. A câmera pegou certinho o rosto dele, tinha até áudio na câmera.

- Se tá de brincadeira.

- Olha o vídeo aqui, Renato puxa o celular do bolso e começa mostrar o vídeo. Na imagem da pra ver um jovem passando na esquina a 50 metros da casa, ele vai e volta três vezes, o homem estava na frente de casa com sua mulher e seu filho de 6 anos, sentados em cadeiras de praia, a criança brincava com um caminhãozinho de brinquedo, o jovem vem em sua direção, ele saca a pistola a poucos metros do seu alvo, atira duas vezes, o homem tenta correr, mas cai de bruços antes de entrar na casa, o jovem descarrega a pistola 9mm nas costas e na cabeça da vitima, que jaz morto. Coloca a arma na cintura e corre a pé virando a direita na esquina onde estava, no áudio da câmera de segurança transparece o terror urbano. O jovem chega gritando e chamando a vítima de filha da puta, dois disparos, o grito de horror da mulher e da criança é perturbador, o jovem descarrega, a mulher pega a criança no colo e sai correndo para o meio da rua pedindo por socorro. De nada adiantaria, sua calçada estava ensopada com o sangue e miolos do seu marido e do pai de uma criança de seis anos que presenciou toda a cena.

BDORNELAS
Enviado por BDORNELAS em 08/06/2024
Reeditado em 10/06/2024
Código do texto: T8081068
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