O MUNDO DE RAIMUNDO RUIU

Raimundo foi sempre um garoto solitário, não gostava de se misturar com os colegas de rua, desde novo já tinha suas manias. Escolhia apenas um dos muitos vizinhos, todos com idade parecida, pronto, e assim passava a devotar sua atenção ao selecionado, que na maioria das vezes, sequer retribuía essa atenção incondicional.

Nos anos sessenta, ainda não se valorizavam tanto as classificações para crianças especiais, o autismo só era percebido em casos graves, alguém com Síndrome Asperger dificilmente seria identificado como doente, até porque sua inteligência, claro, quando havia algum objeto de interesse, sua obstinação em se aprofundar no estudo superava em muito, a média de outros adolescentes na mesma faixa etária.

O tempo passou, e claro Rai, como era conhecido, parecia até um sujeito bem sucedido, com sua facilidade para idiomas, já se fazia entender em cinco línguas estrangeiras, sem nunca ter pisado fora do território nacional.

Mesmo antes do advento da internet, que facilitou e como a ampliação do conhecimento, conseguia aprender novas línguas através de meios alternativos, como cursos oferecidos via discos, fitas cassetes e livros.

De estranho mesmo, persistia aquela devoção a um escolhido, buscando sempre aproveitar ao máximo esse tempo de convivência, não tomava conhecimento de mais ninguém em seu entorno. Para um bom observador, já era patente a necessidade de um acompanhamento por um profissional da área de comportamento.

Nos estudos continuava a evoluir, e encadeou graduação, no mestrado e o doutorado já era uma realidade que em breve seria incorporado ao seu currículo.

A ausência de alguma companheira ao longo de tanto tempo, deveria ser um motivo de preocupação, afinal, a partir de certa idade pessoas tendem a casar, ter filhos e etc.

Será que Rai seria um gay enrustido, e tinha vergonha de expor sua homossexualidade latente diante de todos?

E esse pensamento até passou pela cabeça de algumas pessoas que o conheciam, ainda era muito difícil alguém sair do armário, pois ele nunca apareceu com uma namorada, por outro lado, tinha um inconfesso e bizarro desejo de casar com uma louraça russa, ou mesmo uma nórdica daquelas bem esguias.

Demorou a cair a ficha desse sonho sonhado tantas vezes, mas não desistiu completamente da ideia anterior. Apenas mudou o foco, passando então a tirar férias bem a sua maneira, viajava para o interior dos estados da região sul do Brasil, em busca de alguma legítima descendente de europeus.

Não foram poucas essas viagens, aproveitava também feriados maiores para literalmente correr atrás desse sonho, mas a cada retorno dessa busca, ficava nítido que esse desejo não seria coisa dessa encarnação, pois já ingressara na terceira idade, e as marcas do tempo ficaram registradas na sua expressão enrugada aliada a fartura de cabelos brancos.

Se no início de sua carreira como professor ainda despertava o interesse de alguma aluna, agora não passava de um velhinho, que insistia em continuar a dar suas aulas, mesmo já tendo cumprido todos os quesitos necessários para a aposentadoria.

Mas o pior estava por acontecer, depois de uma vida sexualmente frustrada, esse senhorzinho passou a demonstrar visíveis sinais de demência, mas é aquela coisa, só mesmo em sala de aula essas atitudes aconteciam com frequência.

A vida do professor Raimundo ruiu de vez, quando alunas incomodadas com sua postura, passaram a filmar discretamente suas aulas. Essa documentação foi entregue a direção do instituto, que não titubeou, afastou imediatamente o mestre da sala de aula.

Agora, Rai, em profunda depressão, aguarda a decisão da justiça, sem saber ainda se poderá recorrer da sentença, hoje apenas tem consciência de seu insólito destino.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 07/06/2024
Código do texto: T8080575
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