Sonhos Realizados
Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 4 de junho de 2024
Após dez anos de aposentado, o ex-professor Oswaldo Sampaio, agora viúvo, voltou, pela primeira vez, ao seu antigo local de trabalho, a Universidade de sua cidade. Muitas coisas mudaram, mais prédios, mais salas de aula, praças ocupadas com edificações não identificadas de relance. Achava-se um estranho, naquele ambiente que foi seu lugar preferido por mais de 36 anos. Professor de Filosofia, catedrático, seus alunos, com idades entre 17 e 24 anos, o admiravam. Falava baixo para ter a atenção da classe, era sempre cortês, mas rígido no comportamento, não admitia desordem na sala, que, parecia um mausoléu, pelo silêncio sepulcral, diferentemente de algumas outras, naquele prédio. Mesmo assim, gostava de estar ali, sentia-se mais confortável em sala de aula, do que em sua própria casa, onde abrigava a esposa e 12 filhos.
Primeiramente dirigiu-se à sala dos professores. O susto foi enorme. Os que ali se encontravam, nenhum conhecido. Cinco jovens, cabelos compridos, barba e bigode, pareciam, segundo o conceito do professor, velhos “cachecticus”, relembrando o vocabulário latino. O susto maior foi quando percebeu a presença da Doutora Evangelista, quase septuagenária, sentada do outro lado de sua antiga mesa de trabalho, atenta aos movimentos dos professores ali presentes. Ela, ao percebê-lo, como tentando reconhecê-lo, levantou-se com dificuldade e foi na direção daquele homem que acabara de adentrar no recinto, considerado por ela, imaculado.
A surpresa a fez chorar. Era ele, seu companheiro querido, seu amor de adolescência. Seu coração bateu forte, suas pernas titubearam, quase caiu. Se não fossem os braços ainda fortes de seu primeiro amor, ter-se-ia estatelado sobre a lajota da sala. O idoso professor, delicadamente, a fez sentar-se em uma cadeira ali colocada, posta por um dos professores barbudos, ali presentes.
Aos poucos, a ex-professora Evangelista se aprumava, queria estar forte naquele momento, e, com um sorriso alegre exteriorizava sentimentos guardados por anos de espera de seu príncipe encantado. Era correspondida com um também sorriso de alegria profunda, demonstrando satisfação em revê-la, sua musa inspiradora de inúmeros poemas dedicados e fotografias de ocasiões alegres, fixadas pela lente da Canon do jovem estudante de Filosofia.
Recuperadas as emoções, os dois se refugiaram em um canto da sala e passaram a relembrar seus passados, que lá vão mais de 50 anos. Gargalharam da timidez de quando se viram pela primeira vez, do primeiro passeio pela imensa praça, localizada em frente ao prédio da Universidade. Relembraram das aulas do Professor Deodato, inteligente, mas bastante vagaroso e sonolento, nunca conseguia terminar um assunto no mesmo dia que o iniciara, e no outro dia de aula, não dava continuidade, por esquecimento. Era estranho, vestia-se de maneira fora do comum, mas não era exigente na cobrança dos conteúdos ministrados, nas provas mensais.
Eles não consideravam seus encontros como namoro, Oswaldo dizia não querer ter compromisso com ninguém até concluir o curso e arranjar um emprego. Ao se formarem, foram para lados diferentes. Ela preferiu continuar estudando, fazer pós-graduação, mestrado e doutorado. Ele seguiu o mesmo caminho, foi estudar na Inglaterra. Na volta de ambos para o Brasil, conseguiram prestar concurso para a Universidade da cidade onde nasceram. Obtiveram sucesso, ele em primeiro lugar, para o Departamento de Filosofia, e ela, para o Departamento de Ciências Exatas, também em primeiro lugar. Não se viram por muitos anos, estavam lotados em campus diferentes.
Aquele encontro, casual, avivou a amizade entre eles. Ela ficou sabendo que ele era viúvo e vivia só, uma excelente notícia para Evangelista, que nunca se casara, esperando por aquele que sempre sentira eterno amor platônico. Já o professor de Latim, sabedor que sempre fora amado pela amiga, lembrou-se que também nutrira um amor secreto pela bela garota, que estudava física e distribuía sorrisos quando estavam juntos. De imediato, acendeu uma centelha, um lampejo, um palpitar no velho coração, levando-o a criar coragem e perguntar para ela se os dois não poderiam casar-se, já que estavam desimpedidos. A resposta da Evangelista foi um esfuziante, imediato e sonoro, SIM, essa resposta estava guardada, no recôndito do seu coração.
Ambos estenderam as mãos, tocaram-se e selaram o compromisso de se casarem na Igreja, o mais breve possível, não queriam perder mais tempo.